Ig Nobel premia com 10 trilhões de dólares (zimbabuanos) autores de façanhas como estudar a felação dos morcegos e provar a Lei de Murphy segundo a qual a torrada cai sempre com a manteiga para baixo
Em plena temporada do Nobel, o seu inverso: o Ig Nobel. Há 19 anos que ele existe, premiando pesquisas e façanhas científicas irrisórias, portanto pândegas e irrelevantes. Ou, como define quem o instituiu, pesquisas que provocam o riso e só depois a reflexão, acima de tudo sobre o alcance de sua desimportância. Ensinar pombos a diferençar um quadro de Picasso de um quadro de Monet, por exemplo. Tão inútil façanha já rendeu um Ig Nobel de Comportamento Animal a um trio de psicólogos americanos.
Foi uma ideia - o prêmio, não a columbófila experiência - de um sujeito chamado Marc Abrahams. Se existisse o Nobel do Bom Senso, seria injusto concedê-lo a outro cientista. Abrahams estudou matemática aplicada em Harvard e dedicou os melhores anos de sua vida a catar e tornar públicas as maiores tolices do mundo acadêmico, através de uma organização, Annals of Improbable Research (Anais da Pesquisa Improvável), que antecedeu de muitos anos a denúncia das "imposturas intelectuais" feita pela dupla Sokal-Bricmont.
Os galardões de 2010 foram entregues no dia 30 de setembro, em cerimônia realizada no Teatro Sanders da Universidade de Harvard, mas a série de palestras tradicionalmente embutida no evento - desta feita centrada no tema "bactéria" - continuou rolando, com, entre outras sumidades, o ficcionista e quadrinista Neil Gaiman.
Sempre prestigiada por cientistas premiados com o outro Nobel, é uma festa de gozação e confraternização, a que muitos comparecem com aqueles óculos e bigodes à Groucho Marx ou um barrete de bufão. A cada ano a recompensa em dinheiro ganha mais zeros, acompanhando a inflação, cortesia tão ou mais irrelevante que as pesquisas laureadas, pois a moeda adotada é o dólar zimbabuano. Cada ignobelizado embolsou um cheque de Z$ 10 trilhões.
Por falar em fiasco econômico (na ditadura de Mugabe um quilo de açúcar custa milhares de dólares nacionais), o Ig Nobel de Economia de 2009 coube justamente aos gênios das finanças que destruíram a moeda daquele país africano. O deste ano ficou com os magos da agiotagem dos grupos Goldman Sachs, AIG, Lehman Brothers, Bear Stearns e Magnetar, pelo que fizeram e continuam fazendo nos arredores de Wall Street.
O Ig Nobel de Química foi para três pesquisadores (um do MIT) que estudaram os possíveis efeitos de um vazamento de óleo nas águas profundas do Mar da Noruega, cujos resultados foram vendidos à BP, aquela petrolífera que emporcalhou o Golfo do México. O de Física premiou três neozelandesas da Universidade de Dunedin, pela tese de que a maneira mais segura de se evitar escorregões no gelo acumulado nas ruas durante o inverno é calçar as meias sobre as botas. Solas de lã sem dúvida oferecem muito mais estabilidade, mas e a sensação de ridículo?
No campo da biologia comportamental, o destaque foi a experiência que Gareth Jones fez com morcegos, na Universidade de Bristol, na Inglaterra. Segundo dr. Jones, os morcegos prolongam a duração de suas cópulas praticando a felação - se é que entendi direito sua descoberta, trazida a público pela revista New Scientist. Abrahams autentica todas as suas premiações em apêndices e notas de rodapé. A experiência das meias foi publicada no New Zealand Medical Journal.
Três psicólogos britânicos da Universidade de Keele compartilharam o Ig Nobel da Paz. Tentaram provar cientificamente que praguejar, xingar e dizer palavrões não só acalma o ser humano como lhe aumenta a tolerância à dor. O mesmo japonês, Toshiyuki Nakagaki, que em 2008 ficara com o Ig Nobel de Ciência Cognitiva ao demonstrar o agudo senso de direção dos fungos ameboides no interior de um labirinto, voltou este ano para pegar o Ig Nobel de Planejamento de Transporte. Agora seus fungos "provaram" possuir um sistema de conexão mais eficiente que o do metrô de Tóquio.
A cientista ucraniana Elena Bodnar foi outra que também bisou sua presença na festa da Annals of Improbable Research. Não veio receber outro prêmio, apenas anunciar que já estava à venda o invento que em 2009 lhe proporcionou o Ig Nobel de Saúde Pública: um sutiã que se transforma em máscara contra gases - e tem o mesmo tom de rosa do flamingo de plástico para jardim que assegurou a Don Featherstone o Ig Nobel de Arte de 1996. O fenicopterídeo de Featherstone já tinha, então, quatro décadas de breguice; só lhe faltava a chancela de uma renomada instituição.
O físico inglês que se arvorou em dar respaldo científico a uma das Leis de Murphy ("A torrada sempre cai com o lado da manteiga para baixo") também recebeu o seu Ig Nobel de Física com atraso. Já o zoólogo que escreveu um livro sobre como identificar cada um dos insetos que se esborracham nos para-brisas de automóveis e caminhões esperou apenas alguns meses para abiscoitar o Ig Nobel de Entomologia.
Como a bebida afeta a memória dos peixinhos de aquário? Em que doses regulares o álcool pode curar a ejaculação precoce canina? Que efeitos sobre as aranhas tem o sangue dos esquizofrênicos? Por que os ratos podem ser ensinados a preferir Mozart a Schoenberg? Qual a utilidade do chulé? Sem as limitações categóricas da Academia Sueca, a academia de Marc Abrahams contempla todas as áreas do conhecimento humano. Do ambientalismo à tecnologia, da administração de empresas à zoologia, sempre atrás de especulações que justifiquem a fama da pesquisa científica como "a falta do que fazer metida a besta".
Este ano até um Ig Nobel de Gestão foi providenciado. Três economistas da Universidade da Catânia, no sul da Itália, racharam a oferenda por conta da recauchutagem que deram no Princípio de Peter. "Todo empregado tende a ser promovido até o seu nível de incompetência", reza o princípio. Já que é assim, os italianos desenvolveram a tese de que a melhor maneira de aumentar a eficiência de uma empresa é promover competentes e incompetentes, aleatoriamente. E se a prática confirmá-la?
(Sérgio Augusto)
(O Estado de SP, 17/10)
Fonte:http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=74140
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