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segunda-feira, 13 de setembro de 2010

CARTA DE UM PROFESSOR DOENTE.

Fonte: Robério Anastácio Ferreira (*)
Aracaju - SE, 27 de Agosto de 2010.

Estou doente...

Produzo mais papéis e máquinas e menos seres humanos, indivíduos! A nossa era se chama “PRODUÇÃO CIENTÍFICA”...

Quanto? Preciso estar “on line” e ligado 24 horas para produzir: 5 artigos por ano, pelo menos 1 Qualis A e os demais podem ser A2, B1 ou B2, mas o resto não interessa; pelo menos 1 livro e um capítulo de livro por ano.

Ah! Não posso esquecer das comunicações em eventos! Devem ser preferencialmente trabalhos completos, publicados nos anais em Congressos Internacionais porque os resumos expandidos e os simples não contam nada na nossa avaliação. E se forem em eventos regionais ou locais menos ainda.

Devo participar de 2 Programas de Mestrado como efetivo e um terceiro como Colaborador.

Devo ministrar 4 ou 5 disciplinas na Graduação, ou se não for assim preciso ter 4 ou 5 turmas, com pelo menos 50 vagas ofertadas para ministrá-las. Muitas das vezes, em espaços que comportariam muito menos... Quantos créditos: 12, 16, 20 ou 24 por semestre?

Devo ministrar também 1 ou 2 disciplinas na Pós-Graduação. Preciso orientar os trabalhos de conclusão de curso (4 ou 5, às vezes só um pouco mais por semestre). Preciso orientar pelos menos dois estudantes de Mestrado por ano... Ah! Eles precisam defender suas dissertações em 24 meses... O ideal já seria defender em 18 meses! E os Co-orientados? Quantos?

Tenho ainda os estágios, os projetos de fomento e de PIBIC. Ainda faltam as comissões e os cargos administrativos!

Precisamos de mais cursos, mais disciplinas e mais estudantes, mais cargos e mais comissões... Assim, ganhamos mais TRABALHO e temos menos VIDA. Meu tempo está acabando... O dia é muito curto e as 24 horas já não me são mais suficientes.

Que tal repensarmos o nosso Calendário? O dia poderia ser um pouco maior e o ano poderia ter mais alguns meses... Puxa! Como seria feliz por isto... PODERIA TRABALHAR MAIS! Muito mais, pois ainda preciso ser bolsista de produtividade. Quero também ser pesquisador!

Antigamente, o Professor era Senhor ou Senhora, um segundo pai ou uma segunda mãe, um tio ou uma tia. Era também um EDUCADOR. Um erudito e um verdadeiro HERÓI. Hoje o professor “brother”, “chapa”, “meu”, “brô” e “véio”, entre outros... Muitos outros!

O bom é que temos mais professores. Muito mais! Por outro lado, temos menos salas e dividimos os nossos 15m2 (chamado gabinete) com mais 3 ou 4 e todos os seus orientandos também. Pelo menos não posso reclamar de solidão no trabalho, nem de monotonia. A vida de Professor é pura agitação... Altas baladas como dizem.

Meu dia de trabalho terminou na Instituição... A jornada de trabalho de um celetista é de 44 horas por semana, com tendência natural de reduzi-la. E a nossa de professor? Isto é muito pouco!

Além da nossa rotina diária, ao chegarmos em casa precisamos continuar TRABALHANDO! Tem as correções de provas, aulas e notas de aulas para serem preparadas, seminários, palestras, etc.. Ou melhor, fazer invencionices para melhoramos a nossa performance para nossos estudantes.

As aulas não são mais atrativas... Eles dizem: melhor seria estar com a Galera ou a Turma... Atender celular, passar minhas mensagens, jogar meus novos games do celular, msn, orkut, facebook, mostrar meu aparelho de celular novinho ... Tem muito mais opções! Perder tempo com estas aulas? Que tédio! Tudo está na Internet mesmo.

Esqueci da elaboração dos projetos! Preciso de recursos financeiros para realizar alguns trabalhos e o prazo se encerra amanhã. Ainda bem que o envio é on line. O sistema, hoje em dia, em alguns editais recebem até 24 horas depois... UFA! Vai dar tempo.

Aqueles que precisam da nossa atenção em casa: mãe, pai, esposa, marido, filha, filho, neta, neto, noiva, noivo, namorada, namorado... Gato, cachorro, peixe, papagaio, periquito... etc? ELES PODEM ESPERAR!

E as minhas necessidades: físicas e fisiológicas? E o meu lazer e meu prazer? Confesso que às vezes me sobra um tempinho para isto tudo, apesar de serem atividades menos nobres.

Preciso dormir, mas tenho que TRABALHAR! Preciso acordar, antes de dormir. Estou doente! Não tenho tempo de ir ao médio... Depois vejo isto! Estou gravemente doente, mas não posso me curar. Preciso TRABALHAR e PRODUZIR mais papéis (textos, livros, artigos, relatórios, etc...). Meu CURRÍCULO LATTES está desatualizado!

Tenho que produzir mais máquinas também, pois o mercado assim exige.

Fico triste no final. A maior parte de toda a minha produção permanece intocável e, na maioria das vezes, enfeitando estantes e gavetas. Poucos realmente lêem aquilo que é fruto de uma vida inteira de total entrega ao sistema. Ou no caso das máquinas, algumas ficam sem emprego.

Ah! Eu não posso me queixar, pois apesar desta pequena carga de trabalho tenho um bom salário.

“Não sois máquinas! Homens é o que sois” é uma famosa frase de Charles Chaplin, ou ainda “O que somos é conseqüência do que pensamos” de Buda. Acredito que isto é coisa do passado... Está fora de moda!

Podemos ver que a geração atual não os conhece, pois seus mais recentes ídolos e sua identidade são diferentes: “Exterminador do Futuro – Arnold Schwarzenegger”, “Rambo – Sylvester tallone”, “Indiana Jones – Harrison Ford”, “007 - Daniel Craig”, etc. Estes são os verdadeiros heróis: imbatíveis, incansáveis e imortais.

Estou doente... Gravemente doente... Incurável...

E no fim!

AQUI JAZ um EX-PROFESSOR que um dia sonhou ser PESQUISADOR.

(*)Prof. Dr. Robério Anastácio Ferreira
Universidade Federal de Sergipe
Departamento de Ciências Florestais
Mestrado em Agroecossistemas
Mestrado em Ecologia e Conservação
Demais informação: acessar Currículo Lattes
raf@ufs.br; raf@infonet.com.br
* 06/01/1970
† incógnita
Fonte:http://www.sbpcpe.org/index.php?dt=2010_09_02&pagina=noticias&id=05843

2 comentários:

  1. Ai que angustia !!
    Terminei recentemente meu mestrado e não tenho coragem nenhuma de encarar um doutorado para encarar essa vida de "pesquisador" que não pesquisa..

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  2. Enquanto educação for tratada como produto/serviço regido exclusivamente pelas leis de mercado - a vida será essa mesma, ou pior!
    Conceitos que servem para fabricar automóveis, copos, sabão e panelas de melhor qualidade, mais rápido e mais barato não se aplicam ao mundo do conhecimento, pelo menos não literalmente. Não é assim que se produz mais papers, mais inovação, mais inteligência, mais, mais, mais, mais...o que mesmo?

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