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quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Veneno contra a dor

Notícias Quinta-Feira, 19 de agosto de 2010
JC e-mail 4077, de 18 de Agosto de 2010.



Pesquisadores do Grupo Santa Casa, de Belo Horizonte, em parceria com a UFMG e a Funed, avaliam a ação da toxina da aranha-armadeira, que tem potencial analgésico maior que o da morfina

A picada da aranha-armadeira traz transtornos para suas vítimas. Além de dor imediata e severa, que, normalmente, irradia para o membro atingido, é comum ocasionar inchaço e dormência local, aumento dos batimentos cardíacos, elevação da pressão arterial e agitação psicomotora.

Contudo, é a partir de experiências bem-sucedidas com o seu temido veneno que um importante medicamento analgésico poderá entrar no mercado num futuro próximo. Graças ao poder da toxina, será possível tratar diferentes tipos de dores, como aguda, crônica, inflamatória, cirúrgica, neuropática (comum nos diabéticos) e, inclusive, aquela induzida pelo câncer.

"O setor farmacêutico procura um agente terapêutico efetivo para a dor, que não provoque tantos efeitos colaterais quanto produzem as drogas já existentes no mercado", avalia Marcus Vinícius Gómez, professor da pós-graduação do Instituto de Ensino e Pesquisa (IEP) do Grupo Santa Casa, em Belo Horizonte.

Segundo ele, alguns laboratórios já se mostraram interessados em dar início aos testes clínicos em humanos com a toxina que foi purificada na Fundação Ezequiel Dias (Funed) e cujas ações farmacológicas foram por ele estudadas em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Concluída essa etapa, o caminho é partir para a produção efetiva de um novo medicamento, que terá produção garantida graças à obtenção da toxina recombinante (desenvolvida em laboratório), que repete os efeitos analgésicos do veneno natural da aranha.

A ação terapêutica da substância retirada da armadeira (Phoneutria nigriventer), patenteada com o nome de Ph-alfa-1beta, vem sendo estudada há cerca de 15 anos pelos pesquisadores mineiros. Nas experiências básicas, avaliou-se seu comportamento em diversos modelos de dor.

Os resultados mostraram que ela é mais potente em seu efeito analgésico do que a morfina e, além disso, sua ação dura mais, cerca de 24 horas. Esses resultados possibilitaram que o grupo de pesquisadores publicasse a pesquisa na revista Pain, de grande renome no meio científico, especialmente no que se refere a estudos relativos à dor.

Os cientistas também demonstraram que a toxina atua em dois alvos terapêuticos da dor, tornando-se a única no mercado a atingi-los. Além disso, na comparação com a droga Prialt, recentemente liberada para uso humano nos Estados Unidos, observaram que o veneno da aranha provoca menos reações adversas. Se comparada com a morfina, a toxina da armadeira ainda traz a vantagem de não desenvolver tolerância, ou seja, ela exerce sua ação analgésica independentemente do número de vezes que é aplicada, o que não ocorre com a morfina.

Segundo Gómez, a toxina da aranha age impedindo a entrada de cálcio nos terminais nervosos e, consequentemente, inibindo a liberação do glutamato, um neurotransmissor presente no líquor da medula espinhal. Nesse aspecto, os pesquisadores mediram a concentração de glutamato no processo doloroso e observaram que a toxina da aranha era mais potente em diminuir o glutamato do líquor da medula espinhal do que os analgésicos atualmente em uso.

O professor afirma que, no veneno de aranha, foram isoladas outras duas toxinas. Uma nas arritmias cardíacas e outra nas isquemias cerebral e da retina. No caso da isquemia, a toxina seria responsável por proteger a célula da morte induzida pelo choque isquêmico. No estudo da isquemia da retina, projeto desenvolvido pelo IEP em parceria com a Clínica Oftalmológica da Santa Casa, verificou-se que a toxina atua provocando regeneração das células que foram comprometidas.

Já nas pesquisas envolvendo arritmias cardíacas, que estão sendo realizadas em parceria com pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, os resultados demonstram que a ação da toxina envolve o aumento da liberação da acetilcolina, neurotransmissor que atua no sistema nervoso central. As toxinas envolvidas nos três estudos foram purificadas na Funed e deram origem a duas patentes. Uma terceira está sendo solicitada pelos pesquisadores.
(Vanessa Jacinto)
(Correio Braziliense, 18/8)
Fonte:http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=72910

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