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terça-feira, 3 de maio de 2011

Processos judiciais viraram arma para censurar imprensa no Brasil



Tribunais viraram instrumento de censura
No Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, uma análise sobre a situação brasileira mostra que a Justiça passou a ser uma ferramenta usada por aqueles que querem calar os jornalistas.

No Brasil, os jornalistas são livres para escrever e publicar. Num país oficialmente livre das amarras da censura de imprensa, os interessados em impedir que uma informação venha a público encontraram, no entanto, outras maneiras de fazê-lo.

O jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto conhece bem essas alternativas – várias foram usadas contra ele na tentativa de interromper seu trabalho. Depois da vasta experiência na grande imprensa brasileira, Lúcio fundou há 20 anos o Jornal Pessoal, focado na cobertura da Amazônia e que, segundo a definição do criador, "é a publicação alternativa de existência mais duradoura do país e a única em atividade".

Nos tribunais brasileiros, Lúcio é um dos jornalistas mais perseguidos do país. "A censura passou a contar com um poderoso instrumento, que é a Justiça", diz. O interessante é que, entre 1966 a 1985, durante a ditadura militar, o profissional só foi processado uma vez – e absolvido. Desde 1992, as inúmeras denúncias de corrupção, desmatamento ilegal e tráfico de madeira já renderam ao único editor do Jornal Pessoal mais de 33 processos.

O sociólogo Benoît Hervieu, chefe da organização Repórteres Sem Fronteiras para as Américas, acompanha de perto a atividade jornalística e traça conclusões sobre o panorama brasileiro. "A questão da insegurança é mais grave no Norte e no Nordeste. Os jornalistas têm confrontos com as autoridades e também com o crime organizado e com traficantes de maneira muito violenta."

Apesar de a situação no Brasil ser bem mais amena do que a do México e de Honduras, países onde a liberdade de informar é a mais cerceada na América Latina, segundo a Repórteres Sem Fronteiras, é com dificuldades que muitos profissionais brasileiros expressam sua opinião, avalia Hervieu.

Outros tipos de censura

A ministra da Secretaria de Comunicação Social, Helena Chagas, não nega as deficiências. "Acho que essas dificuldades são muito mais relativas ao funcionamento da Justiça, envolvendo questões sociais e políticas, do que propriamente à instituição da liberdade da imprensa. Não há censura em nenhum lugar [no Brasil], e todos publicam o que querem", disse à Deutsche Welle.

Mas há também avanços a serem reconhecidos. "Em 20 anos de democracia, o país vive em plena liberdade de expressão, uma democracia consolidada e amadurecida", pontua Chagas. Antes de assumir a secretaria, ela atuava como jornalista e conheceu, ainda na infância, a censura de imprensa.

O pai dela, colunista do jornal O Estado de São Paulo, sofreu diversas reprovações durante a ditadura militar. A ministra conta que, naquela época, não conseguia compreender o porquê de os versos de Os Lusíadas, de Camões, aparecerem todos os dias na capa do jornal. "Até que um dia me explicaram que aquilo era para preencher matérias que foram censuradas."

"O fato de haver alguns casos de jornalistas que sofrem processos e são perseguidos acontece em função de um sistema judiciário que tem falhas. Não há mecanismos na Justiça que funcionem com agilidade e rapidez, que resolvam as controvérsias e disputas envolvendo a imprensa, tanto para proteger o jornalista quanto para proteger o cidadão. Não é um problema da liberdade da imprensa. É um problema de segurança do país, de Justiça, um outro tipo de mazela da nossa sociedade", diz a ministra.

Amarras e controle

Focada em apontar os problemas que atrapalham a cobertura jornalística no mundo, a Repórteres Sem Fronteiras mantém dois correspondentes no Brasil. E observa no país um recurso perverso usado pelos poderosos para calar a mídia. "Está acontecendo a multiplicação dos procedimentos judiciais contra jornalistas por parte de autoridades estaduais, locais, prefeituras, etc, para impedir algumas coberturas de atualidade ou como medida de censura prévia", afirma Hervieu.

Já foram vítimas grandes veículos de comunicação, como O Estado de São Paulo, proibido judicialmente de publicar matérias relacionadas à operação Boi Barrica, que colocou Fernando Sarney (filho do José Sarney) no centro de um escândalo político. Meios menores também não escapam, como a Gazeta de Joinville, em Santa Catarina, impedida pela Justiça de associar o prefeito da cidade à uma ex-miss Brasil, com quem teve uma relação extraconjugal.

Contra a chamada censura prévia, o governo federal não tem espaço para agir, afirma Chagas. "Não há qualquer tipo de iniciativa do Executivo para cercear qualquer tipo de liberdade, muito menos a de imprensa. A presidente da República já deixou isso muitíssimo claro. E em relação à Justiça, é uma questão da Justiça. Ela é uma instituição e vive também de credibilidade, assim como a imprensa. E se a Justiça dá, muitas vezes, uma decisão considerada errada, polêmica, ela tem que responder por isso. O Executivo não tem como interferir, a não ser defendendo a liberdade de imprensa."

Evolução

Ainda persiste no Brasil a tradicional concentração dos veículos de imprensa, mantidos, muitas vezes, por poucas famílias ou por políticos. "Em tese, a constituição proíbe que os parlamentares sejam proprietários de meios de comunicação, isso aí é uma burla da lei. E há formas de tornar essa lei mais rigorosa para coibir esse tipo de desobediência", sugere Chagas.

Mas o uso maciço da plataforma digital indica um movimento de mudança. Especialistas afirmam que a internet e os avanços sociais vistos no Brasil contribuíram para a evolução da sociedade brasileira, que está ficando mais amadurecida para julgar a informação recebida e verificar a credibilidade de uma notícia.

Ainda assim, para a Repórteres Sem Fronteiras, é preciso fazer mais contra a extrema centralização da mídia no Brasil. "Deveria ser um objetivo do poder federal para garantir mais pluralismo na imprensa", diz Hervieu. Para a ministra, o país está num bom caminho, afastando-se cada vez mais do passado sombrio da censura. Para muitos governantes, trata-se até mesmo de uma questão pessoal. "O Brasil está sendo governado por uma geração de pessoas que sofreu na carne os efeitos da censura", finaliza Chagas.

Autora: Nádia Pontes
Revisão: Alexandre Schossler

Fonte:http://www.dw-world.de/dw/article/0,,15044861,00.html?maca=bra-newsletter_br_Destaques-2362-html-nl

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