Brasil precisa investir na criação da disciplina de engenharia de sistemas complexos para diminuir o atraso do país na nova área de fronteira da ciência, alerta Sérgio Mascarenhas (foto:M.Boyayan/Pesquisa FAPESP)
02/09/2011
Por Elton Alisson
Agência FAPESP – O Brasil está ficando para trás em uma área de fronteira do conhecimento, denominada “sistemas complexos”, que é tão importante como a nanotecnologia e as terapias com células-tronco, nas quais o país tem investido e em que a nova área também se aplica.
O alerta é de Sérgio Mascarenhas, professor e coordenador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP).
No início da década de 1970, quando foi reitor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Mascarenhas idealizou e lançou o curso de engenharia de materiais, pioneiro na América Latina.
Segundo ele, o país deve investir agora na criação da engenharia de sistemas que interagem entre si e que são de alta complexidade, como são definidos os sistemas complexos. Ou, caso contrário, poderá ficar muito atrás de países como os Estados Unidos, que lideram nas pesquisas nessa nova área que reúne física, química, biologia, educação e economia, entre outras especialidades.
Em 2008, Mascarenhas fundou no IEA de São Carlos, juntamente com o professor do Instituto de Química da USP de São Carlos Hamilton Brandão Varela de Albuquerque e a professora do Instituto de Física Yvonne Primerano Mascarenhas, um grupo de trabalho em sistemas complexos para contribuir para o desenvolvimento de pesquisas na área no país.
Por meio de uma associação com o Nobel de Química de 2007, Gerhard Ertl, premiado por suas pesquisas em sistemas complexos, e com um aluno do cientista alemão na Coreia do Sul, os pesquisadores brasileiros estabeleceram uma rede internacional de pesquisas na área conectando os três países.
Agora, a proposta de Mascarenhas é fomentar no Brasil a criação de um programa de pós-graduação em engenharia de sistemas complexos para diminuir o atraso do país nessa área.
Professor aposentado da USP, Mascarenhas contribuiu para a criação da área de pesquisa em física da matéria condensada no campus de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP), no fim dos anos 1950; da Embrapa Instrumentação Agropecuária, no final da década seguinte, na mesma cidade, e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no começo dos anos 60.
Em 2007, Mascarenhas ganhou o prêmio Conrado Wessel de Ciência Geral e, em 2002, a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico.
Professor visitante de diversas universidades estrangeiras, em suas pesquisas Mascarenhas tratou de assuntos diversos, como os eletretos, corpos permanentemente polarizados que produzem um campo elétrico e que seriam utilizados mundialmente na fabricação de microfones e aparelhos telefônicos.
No início da carreira, o pesquisador se dedicou ao estudo do efeito termo-dielétrico. Mais tarde, também realizou trabalhos na área de dosimetria de radiações (processo de monitoramento de radiação emitida), o que lhe permitiu, por exemplo, medir a quantidade de radiação existente em ossos de vítimas de Hiroshima.
Recentemente, Mascarenhas desenvolveu um método minimamente invasivo para medir pressão intracraniana que recebeu apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS) para ser difundido no Brasil e em toda a América Latina. O projeto foi desenvolvido com apoio do Programa FAPESP Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE).
Agência FAPESP – O que é a engenharia de sistemas complexos?
Sérgio Mascarenhas – É uma engenharia de sistemas de sistemas. O que já existe é a engenharia de sistemas, que é aplicada em logística, em transporte e em sistemas construtivos, entre outras áreas. O que não existe é uma engenharia de sistemas que interagem entre si e que são complexos. O melhor exemplo de um sistema de sistemas é a internet, onde há desde pornografia até o Wikileaks e o Google.
Agência FAPESP – Em quais áreas a engenharia de sistemas complexos pode ser aplicada?
Mascarenhas – Ela se aplica não só a materiais mas em operações financeiras e no agronegócio, por exemplo, em que há uma série de problemas que influenciam a produção agrícola. Há o problema do solo, de defensivos e insumos agrícolas, de estocagem e transporte, por exemplo, para que toda a produção da região Centro-Oeste do Brasil seja exportada.
Agência FAPESP – São sistemas que envolvem muitas variáveis?
Mascarenhas – Exatamente. Todo sistema que apresenta muitas variáveis é um sistema complexo. E isso pode se agravar se a interação entre essas variáveis for não linear. Por exemplo, no agronegócio, se dobrar a produção de milho, se quadruplicar o preço do transporte do sistema logístico frente às dificuldades das estradas brasileiras, aí aparecem as chamadas não linearidades. Então, quando se tem um sistema complexo, as variáveis podem interagir não linearmente. Elas podem se multiplicar até exponencialmente.
Agência FAPESP – O que o motivou a encampar a criação no Brasil dessa nova área?
Mascarenhas – Neste ano se comemoram 40 anos da criação do curso de graduação em engenharia de materiais na UFSCar, que idealizei quando era reitor da universidade e que é um sucesso. Agora, achei que deveria propor algo mais moderno, voltado para o século 21. A engenharia de sistemas complexos é uma área nova e muito interessante e para qual não está sendo dada a devida atenção no Brasil. Se fala bastante no país em pesquisa em áreas como a nanotecnologia e células-tronco, mas não sobre a engenharia de sistemas complexos, que se aplica a todas essas áreas e na qual não estamos formando gente.
Agência FAPESP – Como essa nova engenharia poderia ser implementada no país?
Mascarenhas – A ideia seria criar um programa de pós-graduação em engenharia de sistemas para formar professores e pesquisadores nessa área. Não existe engenharia de sistemas complexos no Brasil e não há pesquisadores no país nessas áreas nem em faculdades tradicionais, como a Escola Politécnica da USP e as Faculdades de Engenharia da USP de São Carlos e da UFSCar. O que já existe no Brasil é engenharia de sistemas, mas não uma engenharia de sistemas que interagem entre si e que são de alta complexidade.
Agência FAPESP – Por que essa nova engenharia ainda não existe no Brasil?
Mascarenhas – Porque é uma área muito nova e no Brasil há uma preocupação em “tapar o buraco” de uma porção de outras engenharias, como a de materiais, de sistemas elétricos e até de meio ambiente, e se perde o futuro tratando do passado. É um atraso muito grande da engenharia brasileira ainda não atuar em sistemas complexos. Além disso, o problema dessas áreas novas é que é preciso ter bons contatos internacionais e políticas de Estado – e não de governo – para enfrentar algo que representa um risco.
Agência FAPESP – De que modo as pesquisas nessa área no Brasil poderiam ser articuladas?
Mascarenhas – Teríamos que ter uma rede. Hoje não se faz nada, se se quer ter impacto, sem falar em rede de pesquisa. Mesmo porque ainda somos tão poucos no Brasil que se não nos juntarmos em rede conseguiremos muita pouca coisa, por falta de massa crítica. Um centro de pesquisa nessa área não pode ser sediado só em São Carlos. Outras universidades também estão interessadas.
Agência FAPESP – Há algum grupo de pesquisa nessa área no Brasil?
Mascarenhas – No Instituto de Estudos Avançados da USP, em São Carlos, temos um grupo de trabalho sobre sistemas complexos. Essa é uma história interessante porque quem ganhou o prêmio Nobel de Química em 2007 foi um cientista alemão, chamado Gerhard Ertl, por suas pesquisas sobre sistemas complexos. E nós, no IEA, fizemos uma associação com o Ertl, na Alemanha, e com um aluno dele na Coreia do Sul. Então, agora temos em São Carlos uma rede de pesquisa sobre sistemas complexos integrando Berlim, São Carlos e a Coreia do Sul.
Agência FAPESP – Quais os países que lideram nas pesquisas em sistemas complexos?
Mascarenhas – O país que está na vanguarda nessa área são os Estados Unidos, com o MIT [Massachusetts Institute of Technology], com um centro que lida muito com questões bélicas. A própria guerra é um sistema complexo, porque nela há uma série de sistemas interagindo, como o de transportes, ofensivo, estratégico e de logística, para alimentar os soldados e transportar equipamentos e armamentos. Os militares lidam com sistemas de sistemas. Aliás, se olharmos para o passado, vemos que muitas aplicações de engenharia foram motivadas pelo poder bélico, como a internet, a robótica e bombas atômica e de fusão. O grande problema da humanidade hoje é criar instituições motivadoras de inovação que não sejam estimuladas apenas pela guerra militar, porque temos outras guerras para vencer. Tem a guerra da saúde, da educação, da violência urbana e muitas outras. E a engenharia de sistemas complexos pode ser aplicada para acabar com essas guerras sociais. Se o Brasil não aproveitar essa chance para ingressar nessa área, vamos ficar muito para trás em relação a outros países.
Fonte:http://agencia.fapesp.br/14428
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