Autor: Reis, Fábio Wanderley
Fonte: O Globo, 22/05/2011, O País, p. 4
Caso Palocci abre discussão sobre influência de empresas, afirma cientista político
ENTREVISTA Para o cientista político Fábio Wanderley Reis, professor emé-rito da Universidade Federal de Minas Gerais e autor do livro ¿Política e racionalidade¿, a justificativa do ministro Antonio Palocci para suas atividades de consultoria após a saída do Ministério da Fazenda ¿a de que a passagem por instituições como o ministério, o Banco Central ou o BNDES ¿proporciona experiência única, que dá enorme valora esses profissionais¿ ¿ mostra a influência e o peso dos interesses privados na administração pública. Isso evidencia uma convivência que, se não chega a ser ilegal, não é do interesse do país, diz ele.
Reis defende ampla discussão sobre otema ea montagem de uma legislação que evite ou minimize a influência de poderosos grupos privados na administração pública, no jogo eleitoral e no processo legislativo. A atual legislação, que permite que servidores públicos eleitos mantenham cargos na iniciativa privada desde que não usem sua posição para conceder benefícios, é considerada insuficiente. Reis não acredita que os legisladores tenham preocupação com uma prática da qual se beneficiam: ¿Pouco se debate sobre mecanismos que grupos com poder financeiro do setor privado possuem para influenciar a administração do que é público.
Gilberto Scofield SÃO PAULO
O GLOBO: O que o episódio envolvendo o ministro Palocci ensina sobre limites entre interesses privados e setor público?
FÁBIOWANDERLEY REIS: A legislação atual que permite que servidores públicos eleitos trabalhem no setor privado é contraditória e precisa de uma regulamentação mais minuciosa. O trânsito entre osetor público e o setor privado pode ser fonte de recursos para uma pessoa, mas esta fonte de recursos pode não ser do interesse público. O caso de consultorias que prestam informações sobre as melhores formas de acesso ao governo é claramente isso. Tratase de uma mensagem implícita na nota divulgada pela assessoria do próprio ministro.
Como assim?
REIS: Quando o ministro admite que a passagem de uma pessoa por cargos públicos de importância, como Ministério da Fazenda, Banco Central ou BNDES ¿proporciona experiência única, que dá enorme valor a esses profissionais¿, admite que o fato de estar na condição de ex-ministro lhe dá facilidades de ganhos na iniciativa privada. Ele candidamente se qualifica ao dominar determinados assuntos de interesse público. Só quem se beneficia disso é ele e os empresários, a peso de ouro.O público brasileiro não se beneficia. Não há interesse público nisso. Se ele pegasse a informação amealhada em anos como ministro e a tornasse pública, ela perderia o valor estratégico e ele não ganharia dinheiro. É claramente um problema ético envolvendo o interesse público.
A quarentena resolve?
REIS: É uma maneira de minimizar um problema que precisa demais debate. Isso precisa ser objeto de uma enorme discussão e muito trabalho para os legisladores, que não me parecem nem um pouco interessados em mudar esta situação, que também os beneficia. Discutimos muito a regulamentação dos recursos políticos que o Estado possui para influenciar ou controlar a iniciativa privada, tendo em vista que a exacerbação no uso destes recursos pode levar a repressões, autoritarismos ou ditaduras. É justo. Mas pouco se debate sobre os mecanismos que grupos com poder financeiro do setor privado possuem para influenciar a administração do que é público. E isso é um ponto igualmente importante a ser regulamentado, como os lobbies no Congresso Nacional ou no Poder Executivo.
Regulamentar lobbies, como nos EUA, seria interessante?
REIS: Não acho que o exemplo americano deva ser seguido. A regulamentação está longe de ser o ideal porque há uma influência excessiva dos lobbies na dinâmica do processo eleitoral e no processo legislativo americano. O crescimento de proporções avassaladoras do Partido Republicano nos últimos anos tem a ver com a influência dos recursos privados no processo eleitoral americano. Imagine no Brasil, onde não há regras sobre o tema. Oque se busca é diminuir ou neutralizar a influência do interesse privado no jogo eleitoral e no legislativo.
Financia mento público de campanhas é uma saída?
REIS: O direito de votar é universal, mas o direito de ser votado não está assegurado e é garantido pelo poder advindo do dinheiro privado. Um Henrique Meirelles (ex-presidente do Banco Central) terá muito menos dificuldade de ser deputado, se quiser, do que outra pessoa. É preciso regular as possibilidades de acesso ao poder, das indicações às eleições. E proteger o interesse público dos interesses privados.
Fonte:http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/200259/1/noticia.htm
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