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segunda-feira, 16 de maio de 2011

Bin Laden e o Direito Internacional

Artigo de José Monserrat Filho enviado pelo autor ao JC Email.

"A sociedade internacional (...) está longe de ser uma sociedade sem lei."
Oscar Schachter (1915-2003), in International Law in Theory and Practice, 1991.

"Quanto mais eficaz for sistema jurídico internacional, mais incômodo pode ser para os Estados", observa muito bem Sir Arthur Watts (1931-2007), ex-professor de direito em Oxford e ex-consultor jurídico do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido e da Comunidade Britânica, discorrendo sobre "a importância do direito internacional" em 2000.

Ele indaga: "Podemos agir na área internacional, como bem entendemos, certo?" E ele próprio responde: "Não, não podemos. Há um conjunto de regras - o direito internacional - que, assim como confere alguns direitos aos Estados, também impõe a eles certas obrigações na condução de suas relações internacionais".

Daí a grande relevância, a seu ver, do estado de direito internacional. Sua explicação é simples e clara: "O estado de direito nos assuntos internacionais envolve a existência de um sistema jurídico abrangente, a certeza sobre as regras em vigor, a ausência de poder arbitrário e a aplicação efetiva e imparcial do direito. Os benefícios do estado de coisas em que esses elementos estejam presentes são auto-evidentes, e exercem poderosa e positiva influência".

E mais: "O estado de direito compreende a aceitação de que o direito internacional não é uma escolha à la carte. Aplica-se como um todo e a todos os Estados, inclusive (e na verdade especialmente) aos que detém poder físico e político para descartar a lei se assim decidirem".

E conclui com uma lição de mestre: "A comunidade internacional prospera quando o direito e o poder são parceiros, e não quando estão em conflito". Essa parceria, porém, tem sido lograda em poucos momentos da história. Sir Arthur Watts tem consciência das artimanhas: "Os países são capazes de sentir que a importância do direito internacional pode ser facilmente admitida, precisamente porque, em última análise, ele [o direito internacional] é fraco e pode ser ignorado".

É fraco, sim, mas ignorá-lo pura e simplesmente é cada vez mais difícil e não recomendável. Não por acaso, Cesáreo Gutiérrez Espada e Maria José Cervell Hortal, professores espanhóis, perguntam: "Se os Estados não julgassem que deve existir um direito internacional que os obrigue, por que precisariam tentar acobertar suas más ações com base no próprio direito (por via da exceção ou da existência de uma causa justificadora)?"

Por tudo isso, a avaliação jurídica dos fatos internacionais marcantes - sobretudo na era de intensa globalização em que vivemos, quando a interdependência e a necessidade de cooperação entre os países atingem níveis sem precedentes - não é simples possibilidade, oportunidade ou opção. É imperativo incontornável. É conquista e exigência da cultura humana, acumulada em séculos de erros e acertos, recuos e avanços, experiências trágicas e triunfantes de toda a sorte.

O caso Bin Laden choca a consciência jurídica. Sua execução sumária e extrajudicial e o lançamento de seu corpo ao mar configuram o ápice de uma sequência de atos ilícitos e antiéticos. O homicídio planejado por um governo de uma pessoa desarmada, buscada há dez anos acusado de cometer crimes de lesa humanidade, não resiste a uma análise baseada nos princípios e normas do Direito Internacional vigente, bem como nos preceitos de justiça consagrados no mundo contemporâneo.

Como qualquer criminoso, e mais ainda por ser considerado especialmente perigoso, Bin Laden deveria ter sido capturado vivo e submetido a julgamento justo com todas as garantias de isenção, como prescrevem as leis de todos os países do mundo. Tal procedimento é conquista irrevogável do processo civilizatório. O tribunal poderia ter sido nacional ou internacional. Mas seria preferível uma corte internacional, mais adequado à natureza dos crimes de alcance global imputados ao criador e chefe do grupo terrorista Al-Qaeda. O terrorismo pode ser uma questão nacional, mas, acima de tudo, é internacional, pois afeta grande número de países, senão todos.

Nada justifica introduzir um contingente militar no território de um país soberano, sem sua devida autorização, para buscar e, no caso, matar deliberadamente um criminoso. A alegação de "legítima defesa" para legitimar a violação de direitos e obrigações internacionais universalmente reconhecidos não tem qualquer amparo legal.

Guido Fernando Silva Soares, professor da USP, falecido em 2005, frisa que "a Carta [das Nações Unidas] reconhece um direito inerente à legítima defesa, mas, como um direito novo, estabelece condições prévias para seu exercício: além de deixar claro que se trata de um ato provisório, até que o Conselho de Segurança [das Nações Unidas] venha a adotar as medidas que lhe competem, o ato de legítima defesa deve estar motivado como uma resposta à ocorrência de uma agressão por parte de outro Estado". Como, em tais condições, invocar a legítima defesa para legalizar a eliminação de Bin Lade?

Alega-se, também, que se tratou de "uma operação de guerra". No Paquistão, que não está em guerra contra os EUA, é muito difícil falar de um ato de guerra no sentido usado no direito internacional, comenta o jurista suiço Me Phillippe Currat.

Proclamou-se que "a justiça foi feita". Erro crasso. Não existe justiça sem direito definido e sem julgamento imparcial.

Jornalista e jurista, mestre em Direito Internacional, membro da International Law Association (ILA). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.

Fonte:http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=77517

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