Artigo de Luiz Roberto Liza Curi publicado no Globo de hoje (13).
O censo da educação superior aponta para o não preenchimento de mais de 2 milhões de vagas oferecidas pelas instituições de ensino superior. Na USP, 25% dos estudantes aprovados no vestibular desistiram da vaga! Ocorre que a evasão do vestibulando acompanha a evasão do matriculado. Esta representa cerca de 20% dos já matriculados, ou perto de 897 mil estudantes. Estima-se que o custo da evasão chegue a R$9 bi.
Nos últimos cinco censos do ensino superior, as disciplinas com maior número de matrículas se mantiveram as mesmas, na seguinte ordem: Administração, que de 2005 a 2009 aumentou em 50% suas matrículas, alcançando 1.102.579 alunos, seguida por Direito (651.730), Pedagogia (573.204), Engenharias (420.578) e Enfermagem (235.804). Juntas, essas disciplinas respondem por cerca de 50% do total das matrículas em ensino superior.
Nesse ambiente, a "sobra" de vagas não significa que a expansão do ensino superior no Brasil tenha alcançado seu limite. Temos, ainda, menos de 16% da população de 18 a 24 anos matriculada nesse nível de ensino. Perdemos do Paraguai (18%) e da Argentina (48%), passamos longe de Portugal (50%) e não conseguimos divisar a Coreia (78%).
Isolando fatores como renda e custeio dos estudos (alto até em instituições públicas), o abandono é baseado em desinformação dos cursos em todos os aspectos. É, assim, definido pela baixa percepção do que fazer ou qual será a utilidade do diploma do curso escolhido. Essa opaca percepção, patrocinada, muitas vezes e de muitas formas, pelas próprias instituições, deriva da organização dos currículos que, em geral, são desatualizados e massudos. Arrebatados, quase sempre, por conteúdos desajustados à realidade da evolução da área do conhecimento, proporcionam aos egressos baixa empregabilidade ou dispersão da área de formação. Nas áreas onde a visibilidade da carreira está mais na moda, esses aspectos são, digamos, subjugados. Nas outras, a ausência de informação pesa no tempo e no dinheiro a ser investido.
Mais importante do que discutir as influências familiares sobre a escolha da carreira, ou se debruçar em temas de inclusão, que estão sendo trabalhados pelo MEC em níveis crescentes de abrangência, seria debater a qualidade e a contextualidade dos currículos, conteúdos e incentivos institucionais ao aprendizado dos estudantes.
Questões para esse debate não faltam. Qual o tempo ou os meios que uma instituição de ensino superior dedica em organização de estratégias de formação, ou em avaliação de suas estruturas curriculares, dos correspondentes conteúdos e do aprendizado de seus alunos? Qual a representação desse esforço nos resultados de suas avaliações externas? Qual é a consideração que se tem pelo acompanhamento do sucesso de seus egressos?
Não é possível esperar mais. É necessário que nossas instituições de ensino superior deem um choque na gestão do conhecimento. É necessário inovar o processo e a organização de currículos e conteúdos se quisermos atrair alunos pela perspectiva do êxito do diploma e não da matrícula. Essa é uma tarefa das instituições de ensino que devem buscar, na sociedade, o apoio da comunidade científica, do governo, dos empresários, etc...
Não se resolve o problema da expansão do ensino superior criando novas vagas em estruturas antigas. Não se resolve o problema da evasão criando circunstâncias favoráveis à inclusão no ensino superior. Não se pode convencer um estudante a investir seu futuro sem as informações consistentes acerca da carreira. Não se pode organizar um curso que não leve em consideração a produção intelectual de seus alunos, que desconsidere temas como inovação tecnológica ou desenvolvimento social.
É possível encontrar tanto fonoaudiólogos de sucesso como advogados fracassados. É necessário aos currículos abordarem conteúdos associando seus alunos às atitudes e habilidades relevantes ao exercício contemporâneo da sua profissão. Enfim, não é possível determinar o futuro sem que o processo de formação esteja associado a ele e não ao passado. É o desespero da freguesia que, assustada, foge da excêntrica diferença de preço entre os pãezinhos sem recheio.
Luiz Roberto Luiza Curi é sociólogo, foi secretário de Cultura e diretor nacional de Políticas do Ensino Superior do MEC (1997-2002).
Fonte:http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=77527
Nenhum comentário:
Postar um comentário