Estudo realizado na Faculdade de Saúde Pública da USP indica que a exposição à luz intensa pode reduzir a sonolência de jovens universitários que estudam à noite
6/8/2010
Por Alex Sander Alcântara
Agência FAPESP – Jovens trabalhadores universitários sofrem déficit crônico de sono, decorrente da jornada dupla que envolve trabalho durante o dia e estudo à noite. Além do sono, alguns hábitos e estilos de vida – como dieta rica em gorduras, consumo de álcool e falta de atividade física – contribuem ainda mais para o quadro preocupante.
As conclusões são de uma pesquisa conduzida na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP), que tem investigado as repercussões na saúde e na qualidade de vida de universitários. Um dos trabalhos do grupo avaliou os efeitos da exposição à luz para reduzir a sonolência durante as aulas noturnas em tal público.
De acordo com Frida Marina Fischer, professora titular da FSP-USP, estudos realizados anteriormente avaliaram a privação de sono decorrente da dupla jornada (trabalho e estudo) entre jovens estudantes do ensino médio em escola pública, que trabalham e estudam à noite. Entre esses jovens, a sobrecarga decorrente da longa vigília e da redução de sono é um problema de dimensões mais severas, pois há milhões de jovens brasileiros nessa condição.
“O problema com os jovens no ensino médio em dupla jornada é mais grave quando comparados aos jovens adultos, por atingir indivíduos em formação, menores de 18 anos. Estima-se que uma parte dos jovens trabalhadores que desistem do ensino médio o fazem devido à intensa fadiga e sonolência associadas à dupla jornada de trabalho e estudo”, disse a coordenadora do estudo à Agência FAPESP .
A partir desses estudos anteriores – que tiveram apoio da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) –, o grupo coordenado por Frida desenvolveu outro projeto para avaliar se a luz intensa poderia resultar na diminuição da sonolência durante ao período noturno das aulas, que vai das 19 horas às 22h30.
A pesquisa mostrou que quando os jovens universitários trabalhadores foram expostos à luz com intensidade de 8 mil lux, por 20 minutos, às 19 horas e às 21 horas, houve redução dos níveis da sonolência após a exposição à luz às 21 horas.
O trabalho, intitulado “Jovens universitários e as jornadas duplas de trabalho: repercussões na saúde e na qualidade de vida”, recebeu apoio da FAPESP por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular. Os resultados do estudo foram apresentados na 26th Conference of the International Society for Chronobiology, ocorrida em Vigo, na Espanha, em julho, e no 10º Latin American Symposium on Chronobiology, em Natal (RN), em outubro de 2009.
Participaram da pesquisa 27 jovens, entre 21 e 24 anos, provenientes da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) e de outras unidades da USP na capital paulista.
Os jovens foram submetidos a uma exposição intensa de luz durante um dia. O experimento durou três semanas, sendo a primeira de referência, e na segunda e terceira semanas os jovens foram expostos à luz.
“Adaptamos uma sala na FEA com fontes de luz semelhantes a luminárias. Cada estudante ficou em frente à fonte por 20 minutos e foi exposto a uma intensidade de 8 mil lux às 19h ou às 21 horas”, explicou Frida.
Na primeira semana, chamada de referência, os jovens permaneceram em um dia, das 19 às 22 horas – período em que a melatonina começa a ser secretada – vendo um filme em uma sala com iluminação muito reduzida. A melatonina é um hormônio produzido pela glândula pineal, um marcador circadiano, que tem forte influência na regulação do ciclo vigília-sono.
“Coletamos amostras de saliva para analisar a quantidade de melatonina circulante. Durante as três horas os alunos permaneceram na sala escura. Somente poderiam tomar água, mas não comer. Se tivessem que ir ao banheiro, colocavam óculos escuros”, disse.
“Também foram coletadas amostras de saliva antes e após a exposição à luz para determinar a quantidade de melatonina, que é muito pequena, da ordem de picogramas por mililitro. Se houvesse qualquer resíduo de alimentos, por exemplo, poderia interferir nos resultados”, completou.
Na segunda e na terceira semana, os alunos foram submetidos à luz intensa de 8 mil lux durante 20 minutos, às 19 horas ou às 21 horas. A exposição não poderia prejudicar o sono nas 24 horas subsequentes, ou seja, o propósito da intervenção era reduzir a sonolência apenas durante o período escolar. “Uma das dificuldades para a realização do estudo se deu porque havia muitos critérios de exclusão”, afirmou Frida.
Hábitos do sono
Os participantes do estudo não podiam ter distúrbio de sono. Além disso, 24 horas antes dos testes não podiam ingerir café, chocolate, chá ou bebida alcoólica. Também não poderiam fumar nas 12 horas anteriores ao experimento.
“Não podiam ingerir substância alguma que pudesse contribuir com o aumento da síntese de melatonina, nem com a redução da sonolência”, disse Frida, acrescentando que o experimento não era um protocolo de fácil aplicação.
Além de preencher protocolos de atividade diária durante os 21 dias, os estudantes usaram um actímetro, instrumento que registra duração de períodos de atividade e repouso e é utilizado para avaliar a duração do sono.
O actímetro, do tamanho de um relógio, é utilizado no punho da mão não dominante, isto é, se o estudante fosse destro usava na esquerda. “O aparelho registra a atividade motora. Quando os movimentos diminuem muito, provavelmente o indivíduo está dormindo. Os estudantes o utilizaram o tempo todo, exceto no momento do banho”, disse.
“Nossos resultados mostraram que quando a luz foi aplicada às 21 horas a concentração de melatonina caiu e houve redução na sonolência”, disse a professora da FSP-USP.
Outro dado significativo da pesquisa apontou que os resultados foram mais robustos entre os indivíduos que têm hábitos mais vespertinos, ou seja, pessoas que dormem mais tarde e acordam mais tarde.
“Isso provavelmente está associado às características presentes no gene Per3, que está relacionado a hábitos e preferências entre os indivíduos. Uma das características da pessoa vespertina é que a melatonina começa a ser secretada posteriormente, quando comparado com as pessoas mais matutinas, o que pode explicar o fato de as pessoas vespertinas conseguirem ficar acordadas até mais tarde”, disse Frida. Os resultados da pesquisa estão sendo submetidos para publicação.
Apesar da redução observada na sonolência com a exposição à luz, o estudo destaca que a dupla jornada de trabalho e estudo "interfere negativamente na nutrição, no tempo dedicado às aulas e também em outras atividades diárias, comprometendo o desempenho acadêmico e o tempo livre dos estudantes para se dedicar a atividades extracurriculares e atividades físicas".
“Ao analisarmos sintomas de saúde, tais como dores no corpo, fadiga acentuada, sonolência excessiva diurna e durante as aulas, observamos vários fatores associados a estilos de vida e condições de trabalho como desencadeadores ou agraventes desses sintomas”, disse Frida.
Fonte:http://www.agencia.fapesp.br/materia/12588/luz-produtiva.htm
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