Quarta-feira, 04 de Agosto de 2010
Fonte: Sonia Regina Federman (*), Revista de Conhecimento e Inovação
O prazer dos pais ao nascer o herdeiro é mostrá-lo ao mundo. O mesmo prazer e ansiedade tem o inventor quando soluciona um problema técnico ou desenvolve um medicamento. No afã de conseguir parceiros interessados por sua invenção ele a divulga sem nenhum critério. Porém, da mesma forma que os pais se preocupam com a segurança e o futuro da criança, o inventor deve se preocupar em proteger sua invenção, sob pena de ser copiado ou até mesmo impedido de exercer o direito de produzir sua própria criação.
O que o inventor deve então fazer? Mais especificamente, o que o pesquisador de centros de pesquisa e universidades deve fazer? Publicar artigos? Depositar a patente?
O cientista é avaliado pelo número de publicações que possui. Em 2008, os pesquisadores brasileiros publicaram 30.415 artigos, correspondendo a 2,63% de toda a produção científica mundial. Mais publicações levam a um maior reconhecimento e maior índice de aprovação de projetos pelos órgãos de fomento.
Paralelamente, o assunto patente ainda é tabu para alguns pesquisadores. Eles alegam falta de tempo para se dedicar ao tema, dizem que é muito complicado, burocrático e demorado, e, ainda mais, é caro. E com isso, o Brasil se mantém como a lanterninha no ranking de depósito de patentes entre os países formadores do BRIC, para não falar da sua colocação no ranking de patentes depositadas no escritório de patentes americano.
Na verdade, a patente não é complicada nem burocrática, da mesma forma que a confecção de um artigo científico não o é para o pesquisador experiente. No início, é difícil, mas, depois, passa a ser automático para o pesquisador que deseja proteger sua pesquisa.
Em relação ao tempo, enquanto a publicação do artigo leva, em média, um ano, a concessão da patente leva cerca de 6 a 7 anos, dependendo da área tecnológica. Esse atraso não é privilégio brasileiro. Nos Estados Unidos, a média de espera para uma patente é de 5 anos. As exceções são creditadas à Coréia do Sul e ao Japão, com média de dois anos e meio.
Se depois de todo esforço aplicado na pesquisa, for alcançado um resultado com expressivo potencial tecnológico, duas coisas podem acontecer: (i) o pesquisador depositar a patente, uma empresa se interessar em implementá-la e eles estabelecerem parceria para produção ou licenciamento da tecnologia ou, (ii) se ele não depositar, alguma empresa pode aproveitar a sua pesquisa e redigir o pedido de patente e ser sua detentora, e o pesquisador não terá como contestar o direito industrial.
Um caso que ilustra bem essa situação é o do remédio Capoten (Captopril) utilizado por hipertensos.
Esse medicamento foi desenvolvido por um médico paulista que decidiu publicar os resultados do estudo em periódico internacional. Resultado: o laboratório de uma multinacional farmacêutica, reconhecendo o potencial dos resultados apresentados no artigo, transformou todas as informações em uma patente que foi depositada, claro, no seu nome. O pesquisador não teve como contestar o laboratório. Seu artigo focava uma pesquisa científica, com informações importantes que possibilitaram transformá-la em patente de um medicamento já em condições de ser disponibilizado aos pacientes sem que a empresa precisasse gastar dinheiro ou tempo na pesquisa.
Entretanto, existem aqueles que, sensatamente, depositam o pedido de patente e colhem os frutos dos royalties quando alguma empresa decide licenciá-la. Foi o que aconteceu com pesquisadores paulistas que desenvolveram um diamante artificial, devidamente protegido por patente (PI 9500865-9). Entre suas utilizações está incluída uma broca para uso odontológico. Cerca de 4 mil dentistas no Brasil já possuem essas brocas. Exportamos para países da América Latina como México e Costa Rica, além de Israel. Estamos agora começando a negociar com a Europa. Duas empresas se mostraram interessadas em revender o material para mais 49 países, conta Vladimir Jesus Trava Airoldi, um dos sócios da empresa.
Outra preocupação é relativa aos custos do depósito no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) que o pesquisador imagina que seja muito cara. Quando fica sabendo que, para o depósito do pedido de patente, a taxa de retribuição cobrada é de R$ 80 para pessoa física ou R$ 200 para empresa, ficam surpresos. Além disso, no caso de pesquisadores de centros de pesquisa uma vez que a patente pertencerá ao empregador quem arcará com os custos da tramitação e acompanhamento do processo no INPI, geralmente é a pessoa jurídica e não o inventor. O simples depósito do pedido de patente já garante uma expectativa de direito industrial (o direito consumado vem com a concessão da patente) enquanto a publicação do artigo garante o direito autoral. O empresário brasileiro não vai se aventurar no desenvolvimento de um produto que não esteja protegido, sob pena de ser responsabilizada de infringir direitos de terceiros e manchar seu nome. Não é que se vá depositar uma patente para tudo o que se pesquisa, mas o que for realmente importante merece que sua proteção seja considerada.
Uma determinada tecnologia pode não apresentar interesse científico/industrial imediato. É o que acontece, muitas vezes, na indústria farmacêutica. Na pesquisa de uma determinada molécula, outras são geradas e, futuramente poderão gerar novos medicamentos. A publicação de uma tecnologia sem a devida proteção pode comprometer a possibilidade de uma futura comercialização.
Outro fato a ser considerado é relativo ao dinheiro liberado pelo governo para a concretização das pesquisas. No Brasil, quem mais investe em pesquisa e desenvolvimento é o Estado, por meio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), ligado ao Ministério da Ciência e da Tecnologia e da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), ligada ao Ministério da Educação. Uma das obrigações do servidor público caso do pesquisador de centros de pesquisa e universidades é zelar pelo bem público que não se restringe aos equipamentos e materiais, mas, também, ao dinheiro direcionado às pesquisas.
O pesquisador não precisa escolher entre publicar ou depositar. Ele pode e deve fazer as duas coisas. Deve publicar para liberar o conhecimento para a sociedade e deve depositar a patente, para garantir a proteção da pesquisa e do dinheiro público, evitando que outros que não investiram tempo, pessoal e recursos financeiros se aproveitem graciosamente desse esforço. Primeiro, deve depositar o pedido de patente para garanti-la, depois, sim, pode publicar todos e quantos artigos quiser.
(*)Sonia Regina Federman é engenheira química, doutora em engenharia metalúrgica e de minas na área de materiais pela UFMG, autora do livro Patentes desvendando seus mistérios pela Qualitymark/RJ, examinadora de patentes do INPI. E-mail: federman@inpi.gov.br
Fonte:http://www.sbpcpe.org/index.php?dt=2010_08_04&pagina=noticias&id=05763
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