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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011
Análise: Jovem 'casamento' Brasil-China está estremecido
Por Brian Winter e Brian Ellsworth
BRASÍLIA (Reuters) - Pelo menos uma vez por semana desde sua posse, a presidente Dilma Rousseff recebe assessores para tentar lidar com um problema aparentemente intratável: a China.
Poucos meses atrás, Brasil e China pareciam fadados a formar uma das alianças definidoras deste início de século - duas economias emergentes com rápido crescimento, posicionando-se lado a lado em questões globais como negociações comerciais, e buscando sempre novas oportunidades de negócios conjuntos.
Mas não é assim que tem funcionado.
A reunião semanal comandada por Dilma é apenas um sinal de como ela está colocando o Brasil em uma posição de maior confronto frente a Pequim, na tentativa de resolver uma relação que ela considera cada vez mais desequilibrada e divergente.
Oficialmente, o tema dessas reuniões é a busca por uma maior "competitividade" do Brasil no comércio global, mas elas inevitavelmente se transformam em debates estratégicos sobre como conter a enxurrada de importações de produtos chineses, que quintuplicaram desde 2005, com resultados desastrosos para a indústria brasileira.
"É basicamente uma reunião sobre a China", disse um funcionário de alto escalão que costuma participar delas. "As relações entre os dois países não são hostis, mas vamos tomar medidas para nos proteger... e promover uma relação mais igualitária."
Em curto prazo, segundo fontes de alto escalão do governo, isso significa mais tarifas dirigidas para produtos industrializados procedentes da China, uma fiscalização mais rígida nas alfândegas, e também mais processos antidumping.
Também é possível que sejam adotadas novas regras para mineradoras estrangeiras, dizem as autoridades, refletindo os temores de que a China desejaria consolidar seu controle sobre as riquezas minerais brasileiras, sem oferecer em contrapartida acesso suficiente ao seu próprio mercado.
Rompendo com a posição de seu antecessor Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma deve aderir ao coro global pela valorização do iuan quando visitar o país asiático em abril. Ela também deve pleitear maior acesso ao mercado chinês para empresas como a Embraer, segundo autoridades.
Embora Brasil e China devam preservar relações amistosas e continuar ampliando o comércio bilateral, a guinada no governo Dilma pode afetar diversos aspectos, como o vínculo com os EUA e o futuro das chamadas relações "sul-sul", entre países emergentes.
"É surpreendente que a relação esteja mudando tão rapidamente", disse Maurício Cárdenas, diretor do programa latino-americano da entidade Brookings Institution, de Washington.
"O Brasil está claramente buscando grandes mudanças... Isso pode ter consequências para toda a América Latina, já que muitos outros países, experimentando os mesmos problemas (com a China), seguem o exemplo do Brasil", afirmou.
SUPERÁVIT RELATIVIZADO
Redefinir a relação com a China é algo mais fácil na retórica do que na prática. Assim como os EUA sofreram para se equilibrar entre a pressão por um iuan mais valorizado e o desejo de importar produtos baratos e receber financiamento da China, o Brasil também precisa rever o emaranhado de dependência que se criou rapidamente na última década.
O comércio bilateral disparou de pouco mais de 2 bilhões de dólares em 2000 para 56,2 bilhões de dólares em 2010. A China superou os EUA como maior parceiro comercial do Brasil, e no ano passado foi também a principal origem individual de investimentos estrangeiros diretos, com cerca de 17 bilhões de dólares.
O robusto crescimento comercial ajudou a economia brasileira a alcançar no ano passado o seu crescimento mais expressivo em duas décadas. E significa também que eventuais esforços do governo Dilma para aprovar medidas protecionistas podem ser infrutíferas, segundo Qiu Xiaoqi, embaixador da China em Brasília.
"O comércio entre China e Brasil cresceu tão rapidamente por causa de uma necessidade recíproca. Quando essa necessidade existe, ninguém pode entrar no caminho", disse Qiu à Reuters, numa rara entrevista.
Qiu, que se orgulha do seu conhecimento sobre a cultura brasileira e insistiu em conceder a entrevista em português, atribuiu as queixas contra a China a "uma minoria" dentro do governo Dilma. Ele também citou o fato de que o Brasil teve um grande superávit comercial com a China no ano passado - cerca de 5 bilhões de dólares.
Mas um exame mais atento revela que o Brasil teria déficit se não fosse por um extraordinário aumento no preço do minério de ferro, que responde por 40 por cento das exportações do país para a China.
No geral, as exportações do Brasil para a China em termos de peso - o que elimina distorções causadas pelo aumento nos preços das commodities - caíram 3 por cento em 2010, enquanto as importações de produtos chineses cresceram 89 por cento.
"O Brasil tem sido ingênuo na sua gestão da relação com a China nos últimos anos", disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). "Ela é bem mais desnivelada do que a maioria das pessoas pensa."
APROXIMAÇÃO COM OS EUA
O resultado disso é que muitas indústrias brasileiras ficaram de fora do "boom" econômico do ano passado, e disso decorre grande parte do sentimento antichinês.
A produção industrial está estável ou em queda desde abril. O dano em áreas como produtos têxteis e calçados foi tamanho que a Confederação Nacional da Indústria (CNI) alertou para o risco de "desindustrialização".
A nova postura do governo Dilma reflete sua ênfase em estimular a indústria local, enquanto a política comercial de Lula era ditada em parte por seu sonho de uma aliança grandiosa entre nações em desenvolvimento.
Ainda assim, alguns executivos que fazem negócios nos dois países temem que a China esteja sendo usada como bode expiatório para problemas do próprio Brasil.
"A falta de competitividade do Brasil não tem nada a ver com os chineses", disse Charles Tang, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China, no Rio.
Ele atribuiu os problemas brasileiros à carga tributária elevada, aos custos trabalhistas e aos gargalos de infraestrutura que, junto com a supervalorização do real, encarecem os produtos brasileiros.
Tang afirmou também que as empresas brasileiras, após passarem décadas focando prioritariamente no grande mercado interno, perderam várias oportunidades de fazerem mais negócios com a China.
Soraya Rosar, especialista em comércio da CNI, concorda com essa tese, mas diz que Dilma precisa pressionar por um maior acesso ao mercado chinês.
A frustração com as políticas chinesas, especialmente com a lenta valorização do iuan, tem convencido a equipe de Dilma de que o Brasil precisa fortalecer suas relações com os Estados Unidos, caso deseje manter qualquer tipo de negociação em pé de igualdade com Pequim.
"O Brasil sozinho conseguirá pouca coisa", disse uma autoridade próxima a Dilma. "Com os Estados Unidos ao nosso lado, talvez eles nos ouçam."
A relação Brasil-EUA, que passou por momentos de estremecimento na época de Lula, mudou rapidamente desde a posse de Dilma. O presidente Barack Obama virá ao Brasil em março, e a China será "um assunto maduro para discussão" quando o secretário do Tesouro Timothy Geithner fizer uma visita ao país, na semana que vem, segundo uma fonte familiarizada com esse processo.
Na opinião de Fernando Henrique, Dilma parece estar reordenando a política externa para que a China seja tratada tanto como aliada quanto como ameaça.
"A China durante muitos anos tentou de forma inteligente enquadrar a relação como "sul-sul"..., (mostrando) que seu interesse era igual ao interesse do Brasil. Mas a China não é o sul. A China é a China, com seu próprio conjunto de interesses."
Cárdenas, da Brookings Institution, diz que a alteração na postura brasileira pode ter profundas implicações se outros países seguirem esse exemplo.
"Os chineses estavam confiantes de que poderiam contar com o apoio da relação sul-sul, mas agora estão vendo que essas vozes críticas não estão vindo só dos EUA", disse ele. "Quando os seus amigos começam a se voltar contra você, talvez seja hora de reexaminar as coisas."
Fonte:http://br.noticias.yahoo.com/s/reuters/110203/manchetes/manchetes_macro_china_brasil
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