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segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Copiar nem sempre prejudica a criatividade; na verdade, estimula



 
Para especialistas em propriedade intelectual, liberdade para imitar muitas vezes resulta em inovação e permite que os pobres desfrutem de símbolos do consumo


Demonizada pelos que defendem a ampliação das leis de patentes, a cópia nem sempre é inimiga da inovação. Ao contrário: com frequência, é a mãe da invenção.

É o que afirmam dois especialistas em propriedade intelectual, os norte-americanos KalRaustiala e Christopher Sprigman, autores de "The KnockoffEconomy" ("A Economia da Cópia", ainda não editado em português).

Remando contra a corrente das críticas à indústria da cópia, sobretudo a da China, eles dizem que há casos de sobra em que a liberdade para imitar resultou em inovação, como nos setores do software e da moda.

Leia trechos da entrevista que eles concederam à Folha, por e-mail.

Folha - A cópia e a criatividade podem coexistir?

KalRaustiala e Christopher Sprigman - A opinião convencional é que copiar é ruim. Já que usualmente é mais barato copiar do que criar, copiar solaparia o incentivo à criação. É para isso que existem as leis de direitos autorais.

Na realidade, porém, copiar nem sempre prejudica a criatividade, e em certos casos até a estimula.

Um grande exemplo é a indústria da moda norte-americana. Nos EUA, é legal copiar designs de moda. Mas isso não impede que os estilistas desenhem coisas novas. Na verdade, a liberdade de cópia gera maior criatividade.

Quando cópias são feitas, o design original se torna uma tendência. Como todos sabemos, as tendências de moda um dia morrem, e o mercado exige novos designs para tomar seu lugar.

A liberdade de copiar faz com que esse ciclo gire mais rápido, dando-nos mais criatividade e opções de estilo.

Muitos outros setores são parecidos. Se compreendermos como o processo de cópia funciona, poderemos criar uma sociedade mais inovadora e criativa.

Em que casos os direitos de propriedade intelectual bloqueiam a inovação?

Quando dificultam a melhora de uma invenção. Boa parte das inovações ocorre gradualmente. Com o tempo, invenções são alteradas e refinadas para gerar produtos cada vez melhores.

Mas patentes e direitos autorais com termos excessivamente amplos podem tirar de cena os elementos básicos de um projeto ou invenção e, ao fazê-lo, tornar muito difícil ou dispendioso para terceiros a melhora de uma invenção.

A China é o maior alvo dos críticos. Vocês citariam um exemplo de cópia chinesa que resultou em inovação?

A Xiaomi é uma das fabricantes chinesas de celular com crescimento mais rápido. Criada menos de três anos atrás, a Xiaomi já vendeu 7 milhões de celulares e faturou 10 bilhões de yuans (cerca de R$ 3,8 bilhões). Os celulares da Xiaomi parecem muito familiares, porque o design imita o iPhone.

Superficialmente, a Xiaomi parece ser só mais uma imitadora chinesa. Mas isso desconsidera o aspecto mais importante da ascensão da companhia e uma importante tendência no estilo chinês de "imitação inovadora".

A Xiaomi se tornou uma força na China em parte por se parecer muito com a Apple. Mas seu sucesso na verdade se deve ao fato de ela ser o oposto da Apple.

A gigante americana é famosa pela abordagem "fechada" quanto à tecnologia. A Apple mantém controle fastidioso sobre o design de seus produtos e acredita que sabe melhor que o consumidor o que este deseja.

Enquanto a Apple se comporta de modo ditatorial, a Xiaomi é bastante democrática. Confia muito nas reações dos consumidores.

A cada sexta-feira, a companhia lança atualizações de seu sistema operacional, baseado no Android. Em poucas horas, milhares de frequentadores dos fóruns da empresa sugerem novos recursos e ajudam a resolver defeitos no software.

Assim, a Xiaomi combinou efetivamente o design da Apple e o espírito colaborativo do movimento do software aberto. A Xiaomi é claramente imitadora. Mas também inovadora.

Os senhores argumentam que a ansiedade dos EUA quanto à pirataria chinesa é "um equívoco". A proteção da propriedade intelectual não é de interesse nacional?

Alguns setores prosperam sem proteção à propriedade intelectual. Ampliar essa proteção não necessariamente significa mais sucesso ou crescimento econômico.

Veja o setor de banco de dados. Nos EUA, os bancos de dados não contam com forte proteção de copyrights. Na Europa a situação é a oposta, devido a uma mudança nas leis na década de 1990.

Mas, nos anos transcorridos desde então, o setor vem crescendo mais nos EUA que na Europa. A questão não é a propriedade intelectual, mas a inovação e o crescimento. A propriedade intelectual pode representar uma barreira para isso.

Qual é a importância social da liberdade de copiar?

A China continua a ser um país pobre, mas está crescendo com extrema rapidez. Também é uma das nações com mais desigualdade no planeta, ao lado do Brasil.

Em países com alta desigualdade, as cópias dão aos pobres a oportunidade de desfrutar de alguns dos símbolos de uma sociedade de consumo. Assim, as cópias são uma forma de aliviar ao menos em parte as pressões causadas pela desigualdade.

Isso é importante porque explica a resistência chinesa em impedir as cópias.

A tolerância da população chinesa facilita a prosperidade da indústria da cópia?

"Shanzhai", como é conhecida a cópia de baixo custo na China, significa literalmente "baluarte de bandidos". Mas na China moderna denota um tipo inteligente de cópia que toma um modelo dispendioso e o muda um pouquinho para atender ao consumidor médio.

O governo reconhece esse ponto, considerando alguns dos "shanzhai" como bons exemplos da engenhosidade do povo chinês.

Em que casos a cópia beneficia o produto original?

Bill Gates tinha razão quando disse que, "se eles pretendem roubar, melhor que roubem o nosso produto". O software, especialmente, é um bem dotado do que economistas denominam "externalidades de rede".

Isso significa que, se apenas uma pessoa usar o Microsoft Word, usá-lo não será útil para você. Mas, se todo mundo em seu escritório usar o programa, ele será muito útil e é mais provável que você opte por ele do que por um formato concorrente.

Assim, permitir cópias expande a fatia de mercado, e isso pode se tornar valioso no futuro, mesmo se as cópias atuais forem piratas.

Os senhores sugerem que os EUA deveriam levar sua história de pirataria em conta e "relaxar". Por quê?

No século 19, os EUA eram grandes copiadores, e a superpotência econômica que reinava no período, o Reino Unido, odiava isso.

Mas, com o tempo, todas aquelas cópias terminaram por ajudar muitos britânicos e criaram imenso mercado para bens britânicos. Hoje os EUA se tornaram a maior força para a expansão das leis de propriedade intelectual.

Com o tempo, a China seguirá caminho semelhante.

Sabemos que países passam a dedicar mais atenção à propriedade intelectual à medida que enriquecem e desenvolvem conhecimentos especializados, mas isso pode tomar muito tempo.

Assim, seria sábio que os EUA pensassem no futuro e reconhecessem que a China não mudará assim tão cedo e que copiar não é assim tão ruim quanto muita gente foi levada a crer.

(Marcelo Ninio/Folha de S.Paulo)

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