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quarta-feira, 14 de julho de 2010

O concorrente brasileiro do Kindle

ISTO É DINHEIRO, 14.07.10, p. 44-49 / Negócios

A maior fabricante de computadores do Brasil lança o Alfa, um e-book para revolucionar o mercado editorial no País. Mas essa não é a única novidade. Ela vai também fabricar tevês, celulares e tablets

Por Ralphe Manzoni Jr.

Ele tem 8,9 milímetros de espessura e pesa 240 gramas. A tela é sensível ao toque. Dentro dele cabem 1.500 livros e ele pode ser facilmente carregado no bolso de um paletó. A primeira versão, cujo desenvolvimento foi feito em conjunto com um parceiro de Taiwan, não terá conexão a internet e será importada da China.

Um modelo com a tecnologia sem fio Wi-Fi, no entanto, chega antes do final do ano. Com esses atributos, a Positivo entra no mercado de livros digitais com o Alfa, o seu leitor de e-books. A venda será feita em livrarias e lojas online, que a Positivo ainda negocia, a partir de agosto. Escolas particulares também vão receber o equipamento para testes.

É o impulso que faltava para ligar o mundo digital às editoras, que faturam mais de R$ 3 bilhões com a venda de 340 milhões de livros. Em tese, esse é o mercado potencial que o Alfa quer conquistar.

Mas, muito mais do que uma aposta em um setor que deve deslanchar nos próximos anos, o novo produto é o primeiro passo da maior fabricante de computadores do Brasil para ampliar seu leque de atuação e começar a reduzir gradativamente sua dependência financeira de desktops e notebooks.

“A educação está no nosso gene”, declarou com exclusividade à DINHEIRO o presidente da Positivo, Hélio Rotenberg. “E educação tem tudo a ver com livros. Agora, o Kindle ganhou um concorrente no Brasil”.

O Alfa dará origem a uma família de produtos. É provável que, em breve, chegue ao mercado um tablet com esse nome e até mesmo um notebook com tela híbrida – de LCD, brilhante como a do iPad, e com e-paper, sem luminosidade, como a do Kindle.

Na estratégia de diversificação da Positivo, o próximo passo é fabricar tevês, celulares e, claro, tablets a partir de 2011. Analistas de mercado especulavam que a empresa teria um novo produto neste ano. Mas as apostas estavam concentradas em um tablet ou uma tevê. Erraram todos.

A companhia trabalhou silenciosamente no seu e-book por três anos. Técnicos e executivos viajaram por vários países para conhecer a tecnologia. Vários produtos já disponíveis foram testados. Pesquisas com consumidor no Brasil foram realizadas e a empresa descobriu que o recurso de tela sensível ao toque era um pré-requisito que o comprador local valorizava. Antes do nome Alfa – uma referência a alfabeto – foram considerados outros, como Mobook, e-lit e Textor. Este último por muito pouco não venceu a batalha.

Sem previsão de demanda, o objetivo da empresa é fabricá-lo no Brasil a partir de 2011. Mas isso só vai acontecer se as vendas atingirem dez mil unidades por mês. “Ele não venderá milhões como o iPad, pois é um produto de nicho”, afirma Rotenberg, que ainda não leu nenhum livro no Alfa. Fã de Steve Jobs, o executivo da Positivo está acabando a leitura, na sua versão em papel, de “O Fascinante Império de Steve Jobs”, livro do jornalista Michael Moritz. “O cara (Jobs) é bom”, disse à DINHEIRO.

Aparentemente, lançar um leitor de livros digitais não é nenhuma novidade. O site de comércio eletrônico Amazon já vende o Kindle para o Brasil desde outubro de 2009. A livraria online brasileira Gato Sabido comercializa um produto similar importado da Inglaterra.

E a empresa nordestina Mix Tecnologia promete também para agosto o seu e-book. Há ainda dezenas de outros aparelhos no mercado internacional voltados para a leitura digital. E o iPad, da Apple, apesar de ter várias outras funções, também pode ser usado para ler livros.

O que torna, então, a entrada da Positivo neste mercado relevante? A resposta pode ser resumida em três palavras: marca, escala e distribuição. A companhia conquistou a liderança no mercado brasileiro de PCs estabelecendo um bom relacionamento com as redes varejistas.

“Eles entendem de varejo”, declara Ivair Rodrigues, diretor de pesquisas da consultoria IT Data. A Positivo também construiu ao longo dos últimos cinco anos uma marca forte, respeitada e com presença nacional.

A chegada da empresa neste setor, portanto, pode incentivar livrarias e editoras a abraçar de vez o segmento de livros digitais. “Precisávamos fazer o ecossistema reagir”, afirma Rotenberg. “Por esse motivo, decidimos lançar o Alfa, em vez de ficar esperando o mercado crescer.”

Foi o que fez Jeff Bezos, o fundador da Amazon, quando lançou o Kindle em 2007 nos Estados Unidos. O mercado americano já tinha vários produtos voltados para leitura digital. Mas nenhum deles teve o impacto do Kindle.

Bezos é um visionário que em meados da década de 90 abandonou um bom emprego em Wall Street para apostar na venda de livros pela internet. Daí nasceu o maior site de comércio eletrônico no mundo, com faturamento acima de US$ 24 bilhões. No novo produto, atrelou o hardware à sua loja online. Um dono do Kindle só pode comprar livros digitais na Amazon.

É o modelo da Apple. Quem tem um iPod, iPhone ou iPad está umbilicalmente preso à iTunes Store para comprar músicas ou aplicativos. A Positivo optou por uma estratégia diferente. O Alfa é aberto, o que permite que livros comprados nas livrarias brasileiras, como a Cultura e a Saraiva – que já têm seções para vender produtos digitais – funcionem nele sem nenhuma restrição.

“As livrarias brasileiras finalmente têm uma solução”, acredita Rotenberg. “O Alfa é mais leve, portátil e tem uma interface mais simples”, afirma, resumindo as qualidades que ele acredita que vão fazer o produto da Positivo bater o Kindle.

Ao optar por estratégias que ligam o hardware a uma loja virtual, Amazon e Apple criaram elas mesmas o seu próprio ecossistema. Para que o Alfa deslanche, a Positivo vai precisar do apoio de livrarias e editoras brasileiras. O mercado de livro digital brasileiro ainda é incipiente. De um lado, as redes que vendem livros ainda não adotaram o formato digital.

Mesmo para aquelas que o fizeram, como a Saraiva e a Cultura, as vendas são pequenas, chegando a quase uma centena de títulos por dia. Um dos entraves é a falta de um catálogo em português. “A procura por nossa loja é muito grande, mas a baixa quantidade de títulos acaba não convertendo as visitas ao site em vendas”, admite Carlos Eduardo Ernanny, fundador da Gato Sabido, uma loja que vende exclusivamente pela internet.

Até o final do ano, estima-se que haverá cerca de cinco mil títulos em português no formato digital. Em inglês, a oferta é vasta. A Amazon, por exemplo, tem mais de 400 mil livros digitais em seu acervo. É por esse motivo que as vendas lá fora decolam. No Natal de 2009, a empresa de Jeff Bezos vendeu mais títulos digitais do que físicos, um marco histórico.

Para mudar esse cenário, as editoras locais precisam começar a digitalizar os seus acervos. O trabalho ainda é muito lento, pois os contratos antigos com os autores – que não previam a venda no formato digital – precisam ser atualizados.

No começo de junho, a Objetiva, Record, Sextante, Intrínseca, Rocco e Planeta se uniram para criar uma empresa para distribuição de e-books. Batizada de Distribuidora de Livros Digitais (DLB), a meta é digitalizar 500 livros até o final de 2010.

A partir de 2011, pelo menos 300 títulos digitais devem ser lançados por mês. O faturamento deve chegar a R$ 12 milhões. A estimativa dos participantes do “consórcio” é de que o preço dos e-books seja até 30% inferior ao da edição de papel.

Se o varejo é o primeiro lugar em que o Alfa vai desembarcar (embora não revele os parceiros, DINHEIRO apurou que Cultura, Saraiva, Submarino e Americanas.com são os nomes mais fortes para ter o produto à venda a partir de agosto), o e-book da Positivo segue também para escolas particulares que vão testar o produto.

Rotenberg acredita que ele é ideal para ler romances, em razão de sua tela com tecnologia e-paper, que facilita a leitura. O iPad, diz ele, é um produto genial da Apple, mas não para ler livros. “Depois de dez minutos, a vista fica cansada. Pode testar”, desafia.

Posicionar o Alfa no segmento educacional é praticamente um caminho natural. Rotenberg tinha 27 anos quando deixou o Rio de Janeiro com o diploma de mestrado em informática nas mãos. Enquanto desarrumava as malas na volta para casa, o curitibano viu na televisão uma propaganda do Grupo Positivo.

O gigante da educação divulgava a abertura de uma faculdade de informática. Naquele mesmo dia, Rotenberg começou a articular um encontro com o professor Oriovisto Guimarães, fundador do Grupo. Uma única reunião bastou para ser contratado. “Ele me disse que eu fui a única pessoa que o fez entender o que era a tal da informática.”

Nascia ali uma parceria que já dura mais de 21 anos. A transformação da faculdade em uma fabricante de computadores aconteceu por acaso. O País vivia uma época de reserva de mercado para importação de eletrônicos.

“Não sabíamos como ensinar informática sem computadores” , lembra Rotenberg. Novamente, bastaram 15 minutos de conversa com Guimarães para resolver essa questão. A faculdade se transformou em uma fabricante de PCs em 1989. A entrada da companhia no setor de varejo aconteceu em 2004. Os computadores começaram a ser vendidos na Casas Bahia. Desde então, a Positivo nunca mais deixou de ser líder.

No ano passado, vendeu 1,778 milhão de máquinas e teve receita líquida de R$ 2,18 bilhões. “O mercado de PCs no Brasil ainda não está saturado”, afirma Luciana Leocádio, analista da Ativa Corretora. “A Positivo tem um bom potencial e bastante espaço para crescimento em computadores.”

Os concorrentes internacionais, no entanto, estão se movimentando para pegar uma fatia do mercado da Positivo. Uma das estratégias é apostar em novos segmentos de mercado. A Dell, por exemplo, vende celulares no Brasil. Lá fora, Acer e Lenovo também fizeram seus smartphones. A Nokia promete um netbook ainda este ano.

“O desktop e o notebook serão nossos produtos principais pelos próximos cinco anos”, diz Rotenberg. Hoje, a empresa atua apenas em computadores, mas Rotenberg afirma que é impossível não pensar em outros produtos. Sem detalhar qual o cronograma, nem a ordem em que vai lançá-los, a Positivo planeja fabricar tablets, tevês e celulares.

“É óbvio que vamos ter um tablet, não podemos ficar fora desse mercado”, afirma Rotenberg. Quando? A partir de 2011, indicou o executivo, novos equipamentos devem chegar ao mercado com a marca Positivo. Com isso, além de um concorrente do Kindle, a empresa pode ter produtos que podem competir contra o iPad e o iPhone.

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