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sexta-feira, 15 de outubro de 2010

TECNOLOGIAS PARA FAZER TECNOLOGIA$

Fonte: Fábio Gandour, Revista Época Online de 13.10.2010
Como tapar o buraco entre teoria e prática para a ciência funcionar como negócio.

Aqui está um artigo que deveria vir junto com um vale-Prozac! Um cupom que lhe permitisse ir à farmácia mais próxima e com ele ganhar um comprimido de um anti-depressivo qualquer. Antes de ler o artigo, claro! Porque hoje a gente chuta um balde cheio de coisas complicadas, indispensáveis e, para os operários da ciência, os pesquisadores, certamente ainda um pouco depressivas. Agora deixa o Prozac aí do lado e vamos nessa!

Quem presta uma atenção mínima nos meios de comunicação com certeza já notou que o nosso país passa por uma espécie de epidemia de ciência, tecnologia e pesquisa. Felizmente, as instituições despertaram para a necessidade de investir em projetos de pesquisa, principalmente as instituições privadas, acreditando que esse investimento pode trazer um bom retorno a médio e longo prazos. É a descoberta da “Ciência como Negócio”, uma colocação que criei depois de muito refletir sobre os modelos de financiamento das atividades científcas. Tenho repetido esse título em vários ambientes. As reações variam, mas, em geral, há mais aceitação do que recusa. E o nosso governo reagiu bem à altura do novo interesse pela Ciência como Negócio, na adequada esperança de vê-la atuar como mais um motor da inovação.

Mas, se tudo parece estar resolvido a partir do alinhamento entre o interesse privado e o apoio público à Ciência & Tecnologia, tenham certeza de que ainda falta alguma coisa. Bastante coisa!

Esta época do ano, quando se anunciam os ganhadores dos prêmios Nobel e a Finep recebe propostas de projetos de pesquisa para liberar seus financiamentos, parece bem adequada para a tomada de consciência e discussão destes hiatos existentes na Ciência como Negócio. É boa a hora para entrar nos buracos ainda existentes.

Pensemos nos ganhadores do prêmio Nobel de Física: A. Geim, de 52 anos, e K. Novoselov, de 36 anos. Os dois nasceram na Rússia, mas trabalham na Universidade de Manchester, na Inglaterra, onde desenvolveram uma nova forma de apresentação do Carbono, chamada Grafeno ilustrado aí no início deste artigo. O Grafeno é considerado atualmente o material mais resistente que existe, além de ser um bom condutor de energia elétrica. As expectativas de utilização do Grafeno são enormes!

E o que tem dentro do Grafeno? Carbono, só Carbono, apenas Carbono! A esta altura, alguém aí pode estar pensando que se dois cientistas russos, trabalhando na Inglaterra, conseguiram ganhar um prêmio Nobel a partir da construção de um material que só contém Carbono, dois brasileiros, trabalhando no Paraguai ou em Jundiaí, também poderiam obter o mesmo resultado. Afinal, Carbono tem em todo lugar!

É nesta suposição válida apenas parcialmente que aparecem os hiatos a serem preenchidos a partir de agora, os buracos da estrada que ainda temos que tapar para que a epidemia de ciência, tecnologia e pesquisa se transforme em um eficaz agente de inovação e gere o capital necessário para financiar o seu próprio futuro. Afinal, na Ciência como Negócio, é preciso ter lucro, igualzinho a qualquer outro negócio.

O nome de um desses hiatos pode ser resumido em uma palavra: instrumentação. Assim, para transformar o Carbono que a gente conhece – preto, feio e quebradiço – em uma lâmina de Grafeno – flexível, resistente e transparente como esta da ilustração – é preciso contar com vários instrumentos! A pesquisa de vanguarda exige instrumentos sofisticados, caros, de manutenção delicada e que requerem operação feita por mãos e cérebros bem treinados. Instrumentos que certamente não existem na Rússia, nem em Jundiaí e muito menos no Paraguai, mas que existem em abundância nas universidades e centros de pesquisa da Inglaterra. Entendeu agora o que dois russos foram fazer em Manchester?!

Neste nosso maravilhoso país tropical, repleto de recursos naturais e gente talentosa, temos grandes cientistas, que conseguem compreender as mais complexas formulações teóricas, conseguem propor as mais criativas soluções conceituais, mas que infelizmente acabam não sendo capazes de atravessar a ponte entre a teoria e a implementação prática porque lhes faltam instrumentos. Falta a instrumentação. Vale notar que a definição de instrumentação evoluiu muito ao longo do tempo. No passado, chamava-se de instrumentação a área relacionada apenas com os aparelhos de medição e controle dos experimentos. Hoje, a instrumentação inclui instrumentos de intervenção nos materiais. E, não raro, esta intervenção é até destrutiva para permitir o conhecimento íntimo das estruturas.

De fato, é melhor dizer que falta ao país uma indústria produtora de instrumentos de apoio à pesquisa. Construir instrumentos, mesmo os gigantes como o Grande Colisor de Hádrons, exige conhecimentos muito específicos e uma mão de obra treinada para lidar com coisas bem delicadas e precisas. Esta também nos falta. Temos o macro, o gigante, o grosso. Mas nos falta o micro, o pequeno, o fino. Mais ou menos assim: temos toneladas intermináveis de jazidas minerais, mas nos falta a micromecânica para estudar um, apenas um átomo de Ferro. Milhões de barris de petróleo soterrados no pré-sal, mas falta a química fina, que melhora os catalisadores das reações na produção etanol.

Desenvolver esta indústria não é lá muito fácil. Fabricar instrumentos quase sempre exige a incorporação de conhecimentos e componentes já construídos anteriormente e protegidos por patentes. Daí, o investimento inicial é alto, mas a expectativa de retorno também é. O fabricante de instrumentos de precisão também tem que se dedicar a treinar a mão de obra que vai operar esses instrumentos para que eles funcionem adequadamente, o que faz dessa indústria uma criadora explosiva de empregos. Ela absorve gente na linha de montagem e mais gente que será entregue quase que dentro da mesma caixa dos instrumentos, para poder operá-los e mantê-los funcionando. De fato, não é fácil, mas é indispensável!

E, nesta época, em que se discutem um novo comando para o país e os rumos que serão trilhados daqui pra frente, parece também oportuno pensar no que seria necessário para desenvolvermos uma indústria que produzisse instrumentos de uso em pesquisa, suas peças de reposição e seus operadores qualificados.

Com este buraco bem tampado, desaparece o hiato entre a teoria e a prática, surge a ponte que vai permitir aos nossos cientistas aplicar a bem sucedida formulação teórica em um contexto prático. É aí, na prática, que a ideia inovadora vira produto, o produto vira dinheiro e o dinheiro alimenta e faz crescer o negócio da ciência.
Fonte:http://www.sbpcpe.org/index.php?dt=2010_10_14&pagina=noticias&id=06004

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