Carlos Roberto Spehar é professor da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Brasília. Artigo enviado ao JC Email pelo autor.
No mundo moderno, ao analisar a condição humana, nos deparamos com variantes que desafiam, em essência, as manifestações mais puras da alma. Avançamos, experimentamos grande progresso, porém sem nos livrar do contraditório.
Quando se evidencia a venda de esperança, no meio religioso e político, em nome da solução dos males individuais, tão comum, seja por ignorância ou por impossibilidade, percebemos que a sociedade humana está longe de atingir o seu ponto de equilíbrio.
Essa é a realidade da organização social em que vivemos. Somos capazes de realizar, em escala, o que na geração passada parecia impossível. Temos canais de comunicação poderosos. Trazemos o mundo para o ambiente confortável, onde quer que estejamos. Que espetáculo se descortina e quantos outros estão por vir! Nada mais é segredo ou restrito.
Por conquistas subsequentes somos mais poderosos e submissos: ao tempo, às conquistas mesmas e ao sucesso pessoal, num ambiente de dualidade. Temos de superar o outro, não mais nosso semelhante. Na percepção da geração antecessora, temos tudo o que se almejaria para ser feliz. Ainda assim, sofremos de estresses cruéis, fruto de nossas ambições, proporcionalmente maiores. Essa sede insaciável nos tem mudado para pior.
Por ameaçarmos o outro e vice versa, dormimos menos, queremos mais e sem perda de tempo e tréguas. O mundo virtual nos veste de poderes muito além dos limites físicos. Não é incomum, que alguns jovens experimentem hipertensão, fruto da falta de tempo e dos desajustes da saúde a ele relacionados. São inúmeros sinais de fadiga, resultantes da opção de competir, hoje com sensação de mais poder.
Isso ocorre no nível de sociedade. Por exemplo, temos necessidades que só se realizam apoiadas no trabalho dos outros. Entre e dentro de nações, povos e países o fenômeno adquire a força de tsunami. Donde, muito do conforto moderno depende da apropriação do esforço alheio. Não desfrutaríamos tanto se muitos, trabalhando por bem menos do que ambicionamos, não estivessem por trás. Vejam-se as contradições no mundo, a despeito do aumento da eficiência.
Quantos bens nos chegam dessa forma; poucos paramos para analisar as circunstâncias. Possivelmente, saem da condição subumana, à qual não temos tempo de perceber. Pessoas que antes viviam ainda pior realizam um pouco de avanço; elas se contentam e nós nos beneficiamos. Pelas razões apresentadas, conclui-se que somos autofágicos e antropófagos ao mesmo tempo. É só analisar as diferenças dentro de países e nações e as relações entre eles.
Concordamos com esse cenário; convivemos com a desigualdade que passa a ser imprescindível. Contudo, o sacrifício do sonho alheio a favor do nosso será como um tiro no próprio pé. As desigualdades nos ameaçarão em um crescendo infindo. Portanto, o mundo do futuro depende cada vez mais do agora. Mas, imersos em projetos pessoais exclusivos, deixamos de perceber o valor da solidariedade, sem o que estaremos em constantes jogos de incertezas.
* A equipe do Jornal da Ciência esclarece que o conteúdo e opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do jornal.
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quarta-feira, 30 de maio de 2012
Somos antropófagos ou autofágicos? Artigo de Carlos R. Spehar
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