Paulo Ghiraldelli Jr é filósofo, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e autor de vários livros. Artigo publicado na Folha de São Paulo de ontem (7).
Não há nenhum complô do governo Dilma contra as universidades federais. As universidades federais entraram em greve não por uma decisão do governo em diminuir a qualidade do ensino por meio de arrocho salarial. Ao contrário, elas entraram em greve pela razão de que há uma despreocupação do governo Dilma em tomar cuidado para que as universidades federais não se transformem em grandes colégios.
Pela maneira como o nosso progresso se deu, acabamos por nos acomodar com a seguinte situação: se precisamos de pesquisa de ponta, parece que ficamos satisfeitos com o que faz a USP e a Unicamp. Se o nosso ensino médio público não funciona mais, parece que ficamos mais satisfeitos ainda em transformar toda a rede federal de ensino superior em um bom substituto para ele.
Desse modo, que o estado de São Paulo arque em manter universidades com o nome de universidades, pois aí as federais poderão ter professores mais bem pagos que os de ensino médio para fazer melhor o que o ensino médio fazia.
Não é que um governo sozinho tenha tomado essa decisão. Várias decisões de ordens diferentes foram tomadas nos governos FHC, Lula e agora Dilma. Todos colaboraram para que, no frigir dos ovos, esse fosse o resultado. Como resultado, o que está se configurando é exatamente isto: não é necessário que o professor de ensino superior federal tenha o salário que tinha, já que as federais não conseguiram despontar no ranking mundial.
Ora, não há razão de termos mais ciência nacional, filosofia feita em casa e tecnologia para nós mesmos se, no cômputo maior, vamos trabalhar com importações e, no miúdo e contingente, com a USP e a Unicamp. Esse pensamento não corre pela cabeça de ninguém individualmente. No entanto, é exatamente isso que aparece como a intenção que poderíamos imputar à política brasileira dos últimos 18 anos. Ninguém intencionou isso. Mas o resultado de intenções diversas e, talvez, até contrárias a essa situação está levando a ela.
O regime de trabalho de dedicação exclusiva do professor universitário deve ser preservado. Não se pode jogar fora a rede universitária federal como rede universitária. Ela não pode e não deve ser uma nova rede de alfabetização hipertardia, como ocorreu com as faculdades particulares criadas no boom do ensino superior gerado pela ditadura militar.
Vivemos o desprestígio do professor universitário porque já se sente que ele deixará de ser um produtor para ser um reprodutor de conhecimento. É um efeito colateral do tipo de desenvolvimento que estamos tendo.
Um subproduto desse desenvolvimento é a busca de desenvolvimento pessoal de cada brasileiro sem que isso signifique ampliação de cultura. Pode significar conquista de diploma, mas não um salto para se transformar em um indivíduo melhor. Esse sonho do brasileiro de "se fazer pela educação" foi o sonho dos da classe média ou mesmo dos trabalhadores até 1970 ou 1980. Não é mais o que o brasileiro pensa.
A presidente Dilma faria muito se pudesse retardar essa desgraça, até que a sociedade, talvez por sorte, venha a acreditar que vale a pena ter bons professores universitários e que para tal se deve pagá-los com um salário que, na entrada dos anos 1990, não era ruim. Pois, se a sociedade voltar a pensar assim, então o mecanismo normal do parlamento democrático, suscetível à população, funcionará em favor da universidade.
* A equipe do Jornal da Ciência esclarece que o conteúdo e opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do jornal.
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domingo, 10 de junho de 2012
Nosso papel não é a alfabetização hipertardia, artigo de Paulo Ghiraldelli Jr.
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