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domingo, 10 de junho de 2012

Pesquisadores brasileiros consolidam diretrizes para boas práticas científicas




 
Preocupação com fraudes e plágios é crescente e um de seus reflexos é a criação de uma comissão no CNPq e de um código na Fapesp para reforçar a cultura de integridade em projetos e pesquisas.

Em setembro de 2011, um caso de fraude na Holanda chocou a comunidade científica internacional. Diederik Stapel, agora um ex-professor de psicologia social, aparentemente teria forjado dados de várias pesquisas e inventado informações publicadas em cerca de 30 revistas científicas, entre elas a Science. O fato, que envolveu as universidades de Tilburg e Groningen, poderá custar o título de doutor ao pesquisador.

Investigações e punições como essa tendem a se tornar cada vez mais corriqueiras no meio científico. Não necessariamente porque o número de fraudadores ou plagiadores vem aumentando, mas sim devido a um incremento na atenção sobre as más práticas, de acordo com Paulo Sérgio Beirão, diretor de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Em outubro do ano passado, o CNPq definiu um conjunto de diretrizes para promover a ética na publicação de pesquisas científicas e estabelecer parâmetros para investigar eventuais condutas reprováveis. Para isso, foi constituída a Comissão de Integridade na Atividade Científica do CNPq, da qual Beirão é coordenador, para difundir informações sobre pesquisa ética. Atualmente, o CNPq lida com 21 mil bolsistas e está examinando, sob sigilo, quatro denúncias de fraude em pesquisas científicas no Brasil.

Diferenças - Beirão explica detalhes do funcionamento da comissão. "Assim que uma denúncia é recebida, ela é checada e verificada pelos técnicos, que dão uma primeira avaliação quanto a sua pertinência. Temos que ter cuidado de não cair no denuncismo", pontua. Em seguida, há uma avaliação prévia e a partir daí a comissão vai considerar as medidas que deverão ser tomadas. Só depois disso os supostos realizadores de más práticas serão notificados - com oportunidade de defesa.

O texto proposto pela comissão tipifica quatro condutas ilícitas: falsificação, fabricação de resultados (caso do pesquisador da Holanda), plágio e autoplágio - definido como a republicação de resultados científicos já divulgados como se fossem novos, sem explicitar a publicação prévia. Também condena a inclusão de autores que só emprestaram equipamentos ou dinheiro, sem colaborar intelectualmente com o artigo científico.

Como todos os projetos apresentados no CNPq têm cópias no conselho, fica mais fácil verificar um plágio, por exemplo, antes mesmo de a bolsa ser concedida. As punições para os delitos mais graves incluem a suspensão de bolsas e, eventualmente, a exigência de devolução do dinheiro investido pelo CNPq na pesquisa. As diretrizes básicas para a integridade na atividade científica estão disponíveis no link www.cnpq.br/web/guest/diretrizes.

Beirão conta que a comissão do CNPq reúne integrantes de "representatividade e idoneidade reconhecidas" e de diferentes áreas de conhecimento. "O que é um plágio ou autoplágio numa área pode ser visto de forma diferente, ter peculiaridades em outra. Os softwares simplesmente varrem tudo e veem as semelhanças. Mas, por exemplo, na área experimental, ao descrever um método, pode haver muita redundância e é normal porque você está usando um mesmo método e a descrição pode se parecer com a de outra pessoa", ressalta.

Código - Por sua parte, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) lançou em setembro do ano passado seu próprio Código de Boas Práticas, que tem como objetivo reforçar na comunidade científica paulista uma cultura sólida de integridade ética da pesquisa mediante um conjunto de estratégias.

As diretrizes estabelecidas no documento são destinadas a pesquisadores que recebem bolsas e auxílios da Fapesp, além de instituições-sede das pesquisas e periódicos que contem com apoio da Fundação para publicação. A construção do código teve seu embrião em um levantamento feito pelo membro da coordenação adjunta da Diretoria Científica da Fapesp Luiz Henrique Lopes dos Santos, professor do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Seu estudo resultou no artigo 'Sobre a integridade ética da pesquisa', disponível no site da Fapesp.

Ele conta que a comunidade científica internacional (cujas diretrizes inspiraram parte do código) começou a discutir com mais frequência o assunto há cerca de cinco anos e em 2010 a Fapesp solicitou o estudo que deu origem ao documento. "Havia uma preocupação grande com sentimento de impunidade", conta, lembrando que houve um caso de má prática quatro anos atrás. "Precisamos ter rigor, mas também temos que garantir que o procedimento de investigação seja justo, equilibrando regras e justiça", pondera.

O código da Fapesp traz o chamado "tripé da ética": educação, prevenção e investigação/sanção. Beirão lembra que o ideal é não deixar a fraude ou plágio sequer acontecer, pois "pode causar um ônus para o avanço do conhecimento, atrasá-lo e desperdiçar recursos". No caso da Fapesp, um exemplo de "educação" de boas práticas seria incentivar as instituições científicas que recebem financiamento da Fapesp a organizar periodicamente treinamentos e cursos que abordem o tema. Mais detalhes estão no link www.fapesp.br/boaspraticas.

Encontro - No fim de maio, a UFRJ, a USP e a PUC-RS sediaram o 2º Encontro Brasileiro de Integridade em Pesquisa, Ética na Ciência e em Publicações (Brispe, em inglês), que contou com palestrantes nacionais e internacionais e propôs discussões sobre questões éticas para instituições de pesquisa, agências de fomento e periódicos estrangeiros. Beirão conta que, durante o evento, foram divulgados diversos números sobre o tema e chamou a atenção o fato de que mais artigos publicados estejam sendo retirados de circulação - um indício de más práticas.

"Como não temos comparação confiável com o passado, não temos as proporções, mas o que se pode dizer é que problemas de más condutas em ciência sempre existiram, são da natureza humana. A vantagem é que hoje temos mecanismos de detecção e até há um estímulo para que isso aconteça, então as falsificações acabam aparecendo mais", alega.

Beirão lembra que as universidades federais, por exemplo, têm seus próprios procedimentos para evitar as más práticas, que não necessariamente são os mesmos do CNPq. E Santos afirma que a Fapesp parte do princípio que as responsáveis por preservar as boas práticas são as instituições. "Mas a Fapesp pode também investigar e punir, a bolsa pode ser suspensa e dependendo da gravidade, cancelada".

Santos acha que a preocupação com o tema "ainda é incipiente", mas que o código da Fapesp e a comissão do CNPq vão contribuir para as mudanças de pensamento. "É preciso envolver os pesquisadores no problema. Há mau-caráter em todo lugar", afirma, acrescentando que atualmente a Fapesp tem "sete ou oito casos" em análise.

"É o tipo de problema que as agências preferiam acreditar que não existia, porque a gente gostaria que não existisse. No entanto, chegou-se a uma situação que não se pode ignorar e está havendo uma mudança", conclui Beirão.

(Clarissa Vasconcellos - Jornal da Ciência)

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