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domingo, 19 de dezembro de 2010

Alemanha busca cientistas em todo o mundo para avançar

Preocupada com o cada vez menor número de nascimentos no país e com a qualidade do ensino, a Alemanha está investindo para atrair jovens cientistas e se tornar uma das três potências científicas do mundo até 2020. A falta de profissionais pode chegar a 480 mil pessoas

Conhecida por ter um rígido controle migratório, a maior economia da Europa está se abrindo a estudantes. Devido à baixa natalidade registrada desde os anos 1990, os alemães estão de olho em jovens cientistas de diversas partes do mundo, ao mesmo tempo em que investem para melhorar a qualidade do ensino básico e universitário.

"Atrair cientistas é vital", afirmou a ministra da Educação e Pesquisa, Annete Schavan, durante a cerimônia de entrega do prêmio Talentos Verdes, uma das iniciativas de atração de pesquisadores estrangeiros. "A Alemanha precisa se abrir para o mundo e ter pesquisadores curiosos. Temos objetivos ambiciosos e queremos liderar a pesquisa no mundo", complementa.

As metas para que o plano saia do papel são de médio e longo prazo. Se por um lado os investimentos em educação, ciência e tecnologia estão crescendo nos últimos anos e o governo estimula indústrias de ponta, com alto grau de conhecimento aplicado, como nanotecnologia e energias renováveis, por outro, problemas demográficos tornam a tarefa mais árdua.

A dificuldade com a demografia se deve principalmente à baixa taxa de natalidade verificada no país. Lá, cada mulher tem, em média, 1,41 filho, contra 2,21 no Brasil. O número faz com que a reposição de estudantes seja pequena e a média de idade do país seja alta - 44 anos, contra 28,9 no Brasil.

"Em dez anos, quando as atuais crianças se tornarem adolescentes, começaremos a sentir falta de trainees e depois de equipes qualificadas", alerta relatório do Ministério da Educação e Pesquisa.

O quadro é agravado quando se olha para o número de jovens que deixam os estudos precocemente - 8% dos estudantes largam a escola antes de terminar o equivalente ao Ensino Fundamental, percentual considerado alto para padrões europeus.

Dados do Centro de Pesquisa para a Economia Europeia prevêem que a Alemanha demandará entre 180 mil e 480 mil profissionais qualificados até 2014, devido ao envelhecimento da população e mudanças estruturais na economia.

As áreas mais afetadas são matemática, informática, ciências naturais e tecnologia, principalmente em nível técnico. Segundo a Associação de Câmaras de Comércio da Alemanha, 50% das empresas relatam problemas para contratar mestres ou doutores.

O diretor da Universidade do Instituto de Física Experimental da Universidade Técnica de Freiberg, Hans Möller, já sente na pele a falta de estudantes e profissionais. "Temos problemas sobretudo na Alemanha oriental, onde as pessoas preferem ir para o lado ocidental em busca de melhores empregos e qualidade de vida", relata. "Faltam estudantes, pesquisadores, pessoal de laboratório e técnicos."

Em reação a isso, as empresas oferecem treinamentos internos (51% já possuem programas próprios) e contratam pessoas com mais de 55 anos. Mas, para Möller, essas medidas não bastam: "não vejo outra saída se não buscar gente talentosa em outros países".

Competição - Para ultrapassar as barreiras postas ao desenvolvimento econômico, os alemães decidiram entrar na competição internacional por jovens talentos. Hoje, segundo dados recolhidos pelo instituto Hochschul-Informations-System (HIS), sob encomenda do Serviço de Intercâmbio Acadêmico Alemão (DAAD), dos dois milhões de universitários no país, 240 mil são estrangeiros. A China lidera a lista de origem dos alunos, seguida por Turquia, França e Polônia. O Brasil ocupa a 26ª posição.

Além disso, 8% dos professores de nível superior e 15% dos pesquisadores são estrangeiros. Já em cursos de doutorado, 20% dos estudantes são de outros países, o que deixa a Alemanha na 15ª posição no ranking da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Em 2009, havia 359 doutorandos brasileiros entre os alemães.

A intenção é crescer, mas não há percentuais definidos. De 2008 para 2009, o número de estudantes estrangeiros na Alemanha cresceu 10%.

O país, no entanto, ainda fica atrás dos países anglófonos na escolha feita por pesquisadores internacionais para trabalhar. As razões vão de prestígio (a universidade alemã mais bem colocada no ranking do jornal inglês The Times é a de Göttingen, na 43ª posição) a dificuldades com a língua. Não à toa, muitas universidades já oferecem cursos de pós-graduação em inglês e desenvolvem ações de marketing mundo afora.

Bolsas - Do lado governamental, a oferta de prêmios e bolsas de estudos é crescente. "Premiamos a excelência em pesquisa, claro, mas sobretudo a criatividade. Com os prêmios, a Alemanha ganha visibilidade internacional. Os premiados podem voltar para completar seus estudos, porém o mais importante é desenvolvermos redes com o que há de mais avançado no mundo", afirma Reinhard Hüttl, diretor-executivo e científico do Centro de Pesquisas de Geociências da Alemanha, em Postdam.

China, Brasil e Índia são os países prioritários no mundo em desenvolvimento. A brasileira Juliana Lima é uma das que entrou na rede alemã. Doutora em química pela Universidade de Campinas (Unicamp), ela foi uma das vencedoras do Prêmio Talentos Verdes em 2009 e agora faz seu pós-doutorado no Instituto Max Plank para Pesquisa de Polímeros.

Atraída por uma bolsa de 3.200 euros mensais e condições de trabalho sem igual no Brasil, ela pensa em se estabelecer na Europa. "O laboratório da Unicamp não deve nada ao daqui, mas na Alemanha não há burocracia para se obter material e eles são mais abertos a trabalhos criativos", relata.

Migração

O Estado alemão busca também soluções no campo jurídico. A fim de atrair estudantes e pesquisadores para universidades e empresas, as rígidas regras de imigração foram flexibilizadas. A intenção é desestimular o retorno de pesquisadores qualificados a seus países - alguns governos incentivam os emigrados a voltar com altos rendimentos e promessas de melhores condições de pesquisa - e tornar a Alemanha um país mais atrativo para quem tem qualificação acadêmica.

Estrangeiros formados em universidades germânicas têm um ano para buscar emprego no país e contam com ajuda de uma agência estatal para isso. Já para os pesquisadores, o salário necessário para ganhar um visto de residência permanente caiu de 86.400 para 64.000 euros anuais, valor considerado ainda alto pelos críticos.

Também foram suspensas medidas de reserva de mercado, apesar de, em algumas áreas, a contratação de estrangeiros ainda estar vinculada à inexistência de mão de obra local.

Ao mesmo tempo, o governo tem buscado fortalecer redes internacionais de pesquisa, a fim de economizar recursos e estar atento a pesquisas de ponta que estejam sendo feitas em qualquer lugar do mundo.

Outro objetivo é manter pesquisadores alemães no país, uma vez que muitos vão principalmente para os EUA e a Inglaterra em busca de melhores oportunidades - cerca de 20 mil pesquisadores germânicos trabalham hoje no exterior.

Crise não impede aumento de investimentos em educação

A busca por melhorias na educação e no desenvolvimento da ciência na Alemanha não foi afetada pela crise financeira mundial. O governo federal, com apoio dos estados, lançou uma série de iniciativas nos últimos anos para estimular a pesquisa e a melhoria da qualidade educacional no país.

Entre elas está o programa "Indo adiante por meio da Educação", de 2006. Voltada para melhorar a qualidade do ensino em todas as áreas do conhecimento e níveis, a iniciativa promete elevar os investimentos em educação para 10% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2015 (em 2007 era de 4,4%).

Além dessa iniciativa, o segundo pacote de estímulo econômico, lançado no fim de 2008 para tentar recuperar a economia após o baque daquele ano, previa gastos de 8,6 bilhões de euros em 2009 e 2010 na reforma de jardins de infância, infraestruturas de escolas, instituições de ensino superior e museus.

O objetivo é melhorar a qualificação dos alemães. Até 2015, o governo federal e os estados pretendem diminuir a evasão escolar de 8% para 4% e a quantidade de jovens adultos sem qualificação profissional de 17% para 8,5% da população economicamente ativa.
(Marcelo Medeiros, do Jornal da Ciência)

Nota da redação: Esta reportagem foi originalmente publicada na edição 680 do Jornal da Ciência, que tem conteúdo exclusivo em sua versão impressa. Informações sobre como assinar a publicação podem ser obtidas pelo e-mail jciencia@jornaldaciencia.org.br ou pelo fone (21) 2109-8989.

Fonte:http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=75429

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