Translate

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Há realmente uma fronteira sem fim?, editorial da 'Science'

"O mais surpreendente é que sempre que a ciência aumenta a nossa compreensão do mundo"

Leia o editorial da revista 'Science' sobre os principais avanços da ciência em 2010, assinado pelo editor-chefe Bruce Alberts, na tradução do jornalista, jurista e chefe da Assessoria de Assuntos Internacionais do Ministério da C&T, José Monserrat Filho:

"A glória, neste ano, coube à primeira máquina quântica - um cantilever (estrutura de armazenagem) microscópico engenhosamente reduzido a seu nível de energia mais baixo possível, o estado quântico fundamental. O resultado pode levar a detectores com força ultra sensível e a formas de controlar as vibrações mecânicas de um objeto tão habilmente quanto hoje controlamos a eletricidade e a luz. Também se anunciam novas pesquisas em um dos grandes mistérios da física: o abismo que separa o universo dos objetos familiares e o universo bizarro da mecânica quântica.

Neste ano, houve outras conquistas notáveis, como a primeira célula com genoma sintético e a decifração de grande parte da sequência do genoma de nosso parente próximo, há muito extinto, o Neandertal. E, por fim, na luta contra a AIDS, um novo gel microbicida que reduz o risco de uma mulher infectar-se com o HIV.

Esse problema também acrescenta algo novo: um olhar para os últimos 10 anos, destacando 10 grandes "insights científicos da década". Como se enfatizou, a maioria dos insights têm se baseado no desenvolvimento contínuo de métodos cada vez mais poderosos para pesquisar o mundo. Ajudado por novos instrumentos para estudar o espaço e analisar as moléculas de que os seres humanos são feitos, entre muitos outros, a marcha das descobertas científicas acelera-se constantemente.

Mas, pelo visto, o mais surpreendente é que sempre que a ciência aumenta a nossa compreensão do mundo, surgem novos grandes mistérios que precisam ser decifrados - da "energia escura" ao "genoma escuro", apenas na última década. Além disso, as descobertas em uma área podem criar novas possibilidades para descobertas em outra. Assim, a descoberta de água em Marte abre a excitante possibilidade de se descobrir uma forma de vida primitiva no planeta, capaz de propiciar melhor compreensão de nossas próprias origens.

A questão em aberto é se sempre haverá surpresas Ou se, algum dia, talvez milhares de anos à frente, nada mais haverá a descobrir. Podemos ter a expectativa de alcançar um entendimento completo - e o fim da busca da humanidade para compreender o mundo através da ciência?

Considere, por exemplo, o grande desafio de decifrar como a multiplicidade de células cooperam entre si para formar o corpo humano. Uma célula é a unidade fundamental da vida, assim como um átomo é a unidade fundamental da matéria, e temos atingido uma compreensão altamente sofisticada de seus mecanismos, embora longe de completa.

Falando a grosso modo, uma célula é um conjunto de catalisadores, que, agindo como grupo, geram complicada série de reações químicas que acabam duplicando todos os catalisadores em conjunto. Esses são então divididos em dois grupos, e o processo inicia-se de novo com cada conjunto gerado.

Mas, apesar de adquirirmos compreensão cada vez mais detalhada da química subjacente a processos fundamentais como a divisão celular, há enormes áreas da biologia que nos confundem.

A célula mais simples conhecida, a bactéria, tem cerca de 500 tipos de catalisadores em seu conjunto; o conjunto de células humanas é muito mais complexo, com um número cerca de 50 vezes maior de tipos diferentes. No ano de 2000, pensávamos que essa complexidade adicional fosse suficiente para permitir que os 100.000 bilhões de células humanas produzidas a partir de um único óvulo fertilizado formassem a célula colaborativa a que chamamos ser humano.

Hoje reconhecemos que há muito mais agentes atuantes nas células humanas, e que, estranhamente, cerca de dois terços da nossa informação genética essencial - o nosso genoma escuro - são necessários a processos, cuja natureza, em sua maior parte, permanece um mistério.

Estaria certo Vannevar Bush, em 1945, quando definiu a ciência como "fronteira sem fim"?

Podemos supor que, se resolvermos os mistérios do genoma escuro, novos enigmas surgirão? Certamente, podemos, sim, ter essa esperança, porque a vida perderia muito de sua grandeza e alegria se um dia atingíssemos a linha de chegada, sem ter mais fronteiras a nos desafiar."

Fonte:http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=75473

Nenhum comentário:

Postar um comentário