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terça-feira, 21 de junho de 2011

A pesquisa em educação e a qualidade da escola básica

Artigo de Luciano Mendes de Faria Filho, enviado ao JCEmail pelo autor.

Nos inúmeros debates que ora se travam sobre a qualidade da educação básica no País, é muito comum ouvirmos a indagação de como é possível termos uma pós-graduação e pesquisas de excelência na área e, ao mesmo tempo, uma escola básica de qualidade muito discutível. O argumento por detrás desta indagação quase sempre é que a pesquisa na área, apesar de abundante e qualificada, não impacta a qualidade da escola pública brasileira.

De fato, a comunidade de pesquisa em educação é a maior comunidade científica do País segundo os dados do Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq: ela reúne mais de 5.500 doutores, mais de 3 mil professores em Programas de Pós Graduação das áreas de Educação e Ensino de Ciências e Matemática e algumas dezenas de milhares de alunos de mestrado e doutorado.

Mas, é preciso perguntar: seria correta (e justa) a idéia de que a pesquisa que fazemos não impacta a qualidade da escola pública? Parece-me que não. Talvez, para efeitos de comparação, poderíamos perguntar também: será que pesquisa na área medica não impacta a saúde pública no Brasil? E aquelas das áreas das engenharias, não têm impacto na qualidade das estradas ou do trânsito no País?

Como se vê, se tomarmos estes rumos, muitas seriam as áreas cujas pesquisas ficariam em suspeição a respeito de sua contribuição á melhoria dos serviços públicos que lhes são afetos. Mas não me parece que o caminho seja este.

Em primeiro lugar, um olhar mais apurado nos permitiria ver que muitas das melhores políticas de educação desenvolvidas nos diversos níveis da administração pública - da educação infantil ao ensino superior - têm por base os conhecimentos produzidos e acumulados nas últimas décadas nos Programas de Pós Graduação em Educação e de Ensino de Ciências e Matemática. Dentre os inúmeros exemplos que poderíamos citar está, com certeza, a política nacional do livro didático destinados às séries iniciais.

Quem não reconhecer, hoje, o salto de qualidade que se deu nesta política pública de educação que atinge milhões de alunos é porque não se deu ao trabalho de comparar a qualidade dos livros didáticos brasileiros de hoje com aqueles de algumas décadas anteriores.

Em segundo lugar, analisando a história do Brasil, nossa cultura política e a políticas educacionais que aqui se desenvolvem desde pelo menos o nascimento do Império, no século 19, não deveria surpreender-nos o fato de termos uma ótima pós graduação (para poucos) e uma escola pública básica cuja qualidade todos criticamos (para muitos). Ou seja, esta situação reflete, de maneira transparente, o que é o Brasil! Ou não?

Parece-me mais correto e honesto nos perguntarmos sobre os fatores intervenientes que impedem que os conhecimentos produzidos pelas pesquisas na área de educação e as boas experiências conduzidas em parceria entre pesquisadores e escolas, tenham um maior impacto nas escolas básicas de todo o Brasil. Boa parte das razões que dificultam às pesquisas impactarem mais fortemente a qualidade da escola básica estão, como se evidencia continuamente, no âmbito das políticas públicas para a área. É aí, neste terreno em que os pesquisadores têm muito pouca ingerência ou capacidade de intervenção, que se decide a sorte da escola pública brasileira. Neste terreno, também são bem conhecidos os grandes problemas enfrentados pelas escolas e não cabe aqui repeti-los.

Ou seja: definitivamente não é por falta de conhecimento que a nossa escola pública não é de melhor qualidade. O que já sabemos, hoje, sobre a escola, os processos de ensino e aprendizagem, a gestão e as demais dimensões que compõem e estruturam esta complexa instituição que é a escola, é muito mais do que suficiente para darmos um salto de qualidade em nossas escolas públicas. Uma contribuição fundamental dos pesquisadores da educação, em parceria com os professores da escola básica e ativistas sociais, foi, justamente, tornar este conhecimento um senso comum crítico sobre a escola brasileira.

A educação escolar é um assunto complexo e é uma irresponsabilidade pública achar que ela pode ser conduzida por amadores e/ou por quem não conhece minimante as teorias básicas que dão suporte á intervenção pedagógica. Tal posição significa que é preciso tratar a pesquisa e os pesquisadores da área de educação com mais respeito e consideração, reconhecendo não apenas a complexidade dos temas que abordam e a sua expressiva contribuição para a produção do conhecimento sobre os fenômenos educativos.

Passar da pesquisa e da produção do conhecimento á política é uma tarefa que, como sabemos, quase nunca depende do pesquisador e da qualidade do conhecimento que ele possui. Por isto, responsabilizar o pesquisador em educação pela qualidade da escola pública é ingenuidade ou, pior ainda, má fé que esconde interesses inconfessáveis.

Luciano Mendes de Faria Filho é professor da UFMG; ex-coordenador do CA-Educação do CNPq.
Fonte:http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=78016

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