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terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

'Ciência é atrativa; Nobel nunca foi meu objetivo', entrevista com Albert Fert



Físico expõe impressões sobre a ciência brasileira

Para leigos, a magnetorresistência gigante (MRG) não passa de um palavrão. Mas a descoberta desse efeito quântico permitiu o desenvolvimento de aparelhos que estão na vida de milhares de pessoas, como MP3 players de grande capacidade, memórias de computadores mais rápidas e discos rígidos menores e mais eficientes. Para o físico Albert Fert, a descoberta da MRG rendeu o Prêmio Nobel.


Em entrevista exclusiva ao Estado, concedida durante sua participação na Escola São Paulo de Ciência Avançada do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas, Fert conta o que mudou após a premiação e o que pensa da ciência brasileira.

- Certa vez o sr. disse que a revolução da spintrônica havia apenas começado. O que podemos esperar para o futuro próximo?

A spintrônica permitirá o desenvolvimento de dispositivos eletrônicos cada vez mais rápidos, menores e mais eficientes. Essa tecnologia já está nas memórias rápidas de computador, as chamadas MRAM (Magneto-resistive Random Access Memory). O fato de essas memórias não serem voláteis, ou seja, não "esquecerem" as informações quando são desligadas, permite diminuir o consumo de energia dos computadores. Também já há usos interessantes da tecnologia de transferência de spin para a transmissão e a recepção de ondas de rádio. Isso terá aplicação nas telecomunicações nos próximos anos. Como em celulares que conseguem mudar mais facilmente de uma frequência para outra.

- Há alguma aplicação na área médica?

A MRG já está nesse campo. Por exemplo, em dispositivos que analisam a estrutura de proteínas e são usados na detecção precoce de câncer.

- Quando o sr. começou a pesquisar, imaginava que teria tantas aplicações práticas? Como foi possível fazer essa ponte entre pesquisa básica e indústria?

No início eu não imaginava, mas desde que descobri a MRG percebi que teria aplicações importantes. Na França, como em toda a Europa, existe uma lacuna entre o que é pesquisado na universidade e a indústria. Essa lacuna não é tão grande em países como Japão e Estados Unidos. Para fazer esse link, fundei um laboratório com colegas da empresa Thales. Ele é financiado em parte pelo CNRS (agência de fomento francesa) e em parte pela própria Thales. Trabalhamos nessa interface entre a universidade e a indústria.

- No Brasil, muitos cientistas ainda recusam ter uma relação tão próxima com a indústria.

Na Europa também era assim há 20 anos. Por ideologia, recusavam parcerias com a indústria, mas agora todos entenderam que a pesquisa científica custa dinheiro e essa parceria pode ser vantajosa para o país.

- O sr. já visitou o Brasil diversas vezes. O que pensa sobre a ciência brasileira?

O avanço tem sido muito rápido. Vejo que os laboratórios brasileiros agora estão mais bem equipados. Coisas muito boas estão em desenvolvimento no Brasil. Mas não estive aqui apenas para visitar laboratórios. Passei diversas férias no Rio de Janeiro e em Búzios.

- O sr. esperava ganhar o Prêmio Nobel?

Para mim, assim como para muitos outros, isso nunca foi um objetivo. A ciência é atrativa por si mesma. É fascinante descobrir coisas novas. Mas muitos anos antes de ganhar eu sabia que estava na lista, que isso poderia acontecer.

- Isso mudou alguma coisa em sua vida?

Sim. Hoje eu tenho um monte de novas coisas para fazer, além de minha rotina normal de físico. Como atender jornalistas, interagir com políticos e ministrar palestras motivacionais nas escolas e universidades. Tento convencer os jovens de que ser um cientista é uma boa profissão.
(Karina Toledo)
(O Estado de SP, 6/2)
Fonte:http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=76285

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