Translate

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

CIÊNCIA: O HOMEM BIÔNICO VEM AÍ

Fonte: Renata Costa, Info Online de 26.11.2010
Miguel Nicolelis conta como desenvolve membros robóticos que serão usados no corpo humano.

Imagine a cena: a macaca Idoya, com eletrodos implantados no cérebro, usa o pensamento para comandar um robô, que caminha numa esteira rolante. Idoya estava nos Estados Unidos, e o robô, no Japão. Esse experimento científico, realizado em 2008, deu projeção global a Miguel Nicolelis. O neurocientista brasileiro, de 49 anos, foi eleito em junho membro da prestigiada Academia Francesa de Ciências. No mês seguinte, recebeu do Instituto Nacional de Saúde um dos prêmios científicos mais cobiçados dos Estados Unidos, de 2,5 milhões de dólares, que serão investidos em suas pesquisas. Nicolelis já havia feito outra macaca, Belle, acionar um braço mecânico com o pensamento. Esse estudo foi listado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) como uma das 100 tecnologias que vão mudar o mundo. São pesquisas que trazem esperança aos que tiveram membros amputados ou perderam os movimentos de alguma parte do corpo. Formado em Medicina pela Universidade de São Paulo, Nicolelis divide seu tempo entre seu laboratório na Universidade Duke, nos Estados Unidos, e o instituto que ajudou a fundar em Natal, no Rio Grande do Norte. Torcedor apaixonado do Palmeiras, ele conversou com a INFO sobre ciência, tecnologia e futebol.

INFO - Quando veremos membros robóticos em seres humanos?
NICOLELIS - Estamos trabalhando a todo vapor, mas não dá para dizer quando. Como as tarefas são muitas, criamos um consórcio com instituições de diversos países. Estamos desenvolvendo uma veste robótica para quem perdeu os movimentos, a instrumentação, a técnica cirúrgica de implantação dos eletrodos cerebrais e o processo de reabilitação. Não é um desafio tecnológico, mas de processos. Em dois anos, teremos toda a tecnologia desenvolvida. A questão será treinar as pessoas. A fisioterapia desse paciente, por exemplo, será muito diferente da habitual. Ele vai ter de aprender a andar de novo usando pernas robóticas.

INFO - Esse trabalho vai ajudar a aperfeiçoar os membros artificiais?
NICOLELIS - Sim, o experimento pode ser usado para fazer pernas, braços ou mesmo uma cobertura para o tronco, para quem tem problemas de controle neurológico para manter a postura. A ideia é que a pessoa possa fazer qualquer atividade com esse exoesqueleto.

INFO - O que ainda falta desenvolver?
NICOLELIS - Estamos construindo a primeira versão do exoesqueleto robótico. Já temos os eletrodos. Estamos miniaturizando os chips. Eles ficarão numa caixinha pouco maior que um celular, que fi cará na parte de trás do exoesqueleto. Tivemos de desenvolver uma nova bateria, com baixo peso, para mover tudo isso. Do ponto de vista tecnológico e teórico está tudo certo.

INFO - Por quanto tempo o exoesqueleto vai funcionar até que a carga da bateria se esgote?
NICOLELIS - Não foi feito o teste ainda. Mas a ideia é que a carga dure algumas horas. A bateria poderá ser recarregada quando a pessoa estiver dormindo. Não posso revelar detalhes, pois essa tecnologia ainda não foi patenteada.

INFO - O implante de eletrodos no cérebro não traz problemas?
NICOLELIS - Teoricamente, não. Mas vamos fazer testes para ter certeza de que será seguro para a pessoa ter os eletrodos e chips implantados no corpo.

INFO - De que material será esse exoesqueleto?
NICOLELIS - É isso o que milhões de pessoas querem saber para copiar meu experimento. Não posso revelar. É um material exclusivo, que terá patente. Tem a aparência de uma roupa de astronauta, mas é mais confortável. O exoesqueleto será hidráulico. Não pode ser elétrico. Se fosse, ele interferiria nos registros cerebrais.

INFO - Como é o desenvolvimento dessa tecnologia?
NICOLELIS - Na Universidade de Duke, temos uma equipe multidisciplinar de 35 pessoas. São engenheiros, programadores, médicos e outros especialistas. Precisamos especificar a pesquisa detalhadamente para cada um fazer seu trabalho em concordância com os demais. Por isso, o projeto tem 600 páginas. É a coisa mais complicada que já fiz. Ainda assim, é mais fácil do que ver o Palmeiras ganhar.

INFO - Como começou seu estudo sobre a interface cérebro-máquina?
NICOLELIS - Minha tese de doutorado já era sobre simulação computacional de sinais biológicos. Depois, no pós-doutorado, fui para a Universidade de Duke e desenvolvemos a interface cérebro-máquina. Misturamos computação, neurofisiologia, engenharia e matemática. Foi então que surgiu o termo neuroengenharia.

INFO - Qual é a principal dificuldade nesse trabalho?
NICOLELIS - No Brasil, é a falta de legislação específica para o desenvolvimento da ciência. A mesma lei usada para licitar a construção de uma represa é aplicada na compra de material para um experimento. Temos estruturas burocráticas que ainda estão no século 19. Em qualquer lugar do mundo se prevê uma verba administrativa para cada projeto, exceto no Brasil. Nós mesmos temos de prestar contas em livros contábeis. Nenhum pesquisador tem treinamento para isso. O resultado é que o cientista perde tempo com burocracia em vez de se concentrar nas pesquisas. Já nos Estados Unidos, o problema é que há centenas de milhares de pesquisadores. Depois da crise econômica, a dificuldade é manter todos eles.

INFO - Qual é a infraestrutura do laboratório para processar suas pesquisas?
NICOLELIS - Temos servidores com vários terabytes de capacidade. Para cada dado coletado, o armazenamento é feito em quatro servidores de backup de 10 terabytes cada um.

INFO - Você tem um carinho especial por alguma das suas pesquisas?
NICOLELIS - Tenho uma lembrança muito boa de quando, pela primeira vez, consegui rastrear 50 neurônios simultaneamente no cérebro de um ratinho. Ele estava ali, no laboratório, se comportando normalmente. Até então, o máximo que se tinha mapeado eram 10 neurônios. Para chegar aos 50 neurônios, eu mesmo construí as placas eletrônicas e os eletrodos, e fiz a implantação no cérebro do animal. Também cuidei do registro e da análise da informação. Hoje, a gente consegue registrar a atividade de 800 neurônios. Quando falo sobre aquele experimento para meus alunos eles acham que sou da Idade Média. O maior disco rígido que tínhamos no laboratório era de 5 gigabytes. O backup era em fita. Eu tinha umas 300 fi tas e precisava olhar cada uma delas para achar o que buscava. Como eu tinha 10 gigabytes de dados, passei um ano e meio analisando tudo. Ainda assim, foi divertido.

INFO - As associações protetoras dos animais não reclamam por vocês fazerem experimentos com eles?
NICOLELIS - Não. Nossos animais são felizes e bem-sucedidos, com grande autoestima. As associações têm coisas mais sérias com que se preocupar.

INFO - Como começou seu interesse por tecnologia?
NICOLELIS - Comecei a trabalhar com computação na faculdade de medicina. Naquela época, 1984, estavam chegando os primeiros microcomputadores ao Brasil. O Hospital das Clínicas tinha um relatório sobre infecções hospitalares que era divulgado por meio de um programa em Cobol. Ninguém conseguia ler aquilo. Eu aprendi a programar para transformar aqueles dados em gráficos. Criei um programa em Basic no Apple II para isso.

INFO - Você conhece a série de TV O Homem de 6 Milhões de Dólares, dos anos 70?
NICOLELIS - Conheço. Eu assistia sempre. Mas não há semelhança com meu trabalho. Meu experimento custa bastante mais do que 6 milhões de dólares e não trará superpoderes.

INFO - Você sonha ganhar o prêmio Nobel?
NICOLELIS - Não. Minha única ambição é ser presidente do Palmeiras.
Fonte:http://www.sbpcpe.org/index.php?dt=2010_12_01&pagina=noticias&id=06123#

Nenhum comentário:

Postar um comentário