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quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

A voz das ruas, artigo de Milú Villela

"Sem educação de qualidade, o Brasil não terá condições de competir em um mundo que é cada vez mais complexo e pautado pelo conhecimento"

Milú Villela é membro fundador do movimento Todos pela Educação, presidente do Instituto Faça Parte, do Centro de Voluntariado de São Paulo e embaixadora da Boa Vontade da Unesco. Artigo publicado na "Folha de SP":

Jéssica Gomes dos Santos, de 17 anos, é um retrato do Brasil em ascensão. Ela vive com o pai em uma casa alugada de três cômodos no Jardim Villas Boas. Há dois anos, eles trocaram o interior da Bahia por São Paulo, em busca de melhores condições de vida.

O pai, soldador, tem quatro anos de ensino fundamental e ganha três salários mínimos. O aluguel consome boa parte da renda. Mesmo assim, Jéssica não abandonou a escola e conclui o ensino médio sem repetências.

Com sete anos a mais de estudo que o pai, ela quer ser fisioterapeuta e frequenta uma ONG em que recebe apoio e treinamento na busca do primeiro emprego.

Em 2010, Jéssica prestou vestibular para uma universidade pública. Nas provas que fez, deparou-se com conteúdos que não foram ensinados nas escolas por onde passou.

Em sua visão, a educação é injusta. Para ela, famílias de alta renda têm acesso à educação de qualidade em colégios particulares e conseguem entrar em universidades do governo. Os filhos das famílias menos favorecidas, que estudam em escolas públicas, têm que recorrer a faculdades pagas e muitos não conseguem avançar por falta de condições financeiras.

Onde estudou, em São Paulo, Jéssica diz que os professores não davam apoio aos alunos. "Eles não estão interessados e muitos não têm condições de atuar, não querem ajudar os alunos e não têm conhecimento nem experiência para estar numa sala de aula", diz, numa análise sem rodeios.

Indagada sobre qual deveria ser a prioridade do novo governo, ela não titubeia: melhorar a educação, para a conquista de um patamar de vida melhor do que o de seus pais.

O governo Dilma daria um passo gigantesco se convertesse, de fato, as palavras da menina Jéssica em um pilar estratégico de atuação nos próximos quatro anos. A educação, como nos ensina a adolescente, é o instrumento mais eficaz para consolidar as conquistas sociais dos últimos 16 anos.

FHC nos deu a estabilidade da moeda e modernizou a economia. O governo Lula transferiu milhares de brasileiros para a classe C, diminuiu a pobreza, turbinou a economia e deu nova dimensão internacional ao país. Dilma, que dá seus primeiros passos, tem a chance histórica de se notabilizar com o governo da revolução na educação.

O trabalho é desafiador. A educação brasileira, como revelam os dados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) e de outros indicadores, continua entre as piores do mundo, em descompasso com a posição econômica que hoje ocupamos no cenário internacional.

Somos ruins em matemática e em ciências, não dominamos o idioma, a evasão escolar é enorme, a formação dos professores é fraca, a carreira de magistério não é atrativa e faltam modelos de gestão para as nossas escolas. Mas a dimensão dos problemas não deve ser motivo para a inação.

Nações como a Coreia do Sul e o Chile provaram que é possível construir modelos de educação de excelência em curtos períodos históricos. Sem uma educação de qualidade, o Brasil não terá condições de competir num mundo cada vez mais complexo e pautado pelo conhecimento: não teremos capital humano dando suporte às demandas do crescimento.

Nossa torcida nesta caminhada é para que a educação esteja no topo da lista de prioridades do novo governo. Se a educação avançar, Dilma entrará para a história e ficará na memória de Jéssica e de toda uma geração de brasileiros que começa a saborear os efeitos de um país em transformação.

Que a presidente tenha a sensibilidade para ouvir a voz das ruas e abrace essa causa, de todos nós.
(Folha de SP, 4/1)
Fonte:http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=75698

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